sexta-feira, junho 30, 2006


Para ler o mundo

Somente teremos consumidores de livros se a educação formar verdadeiros cidadãos, leitores do mundo e de livros.


A leitura sempre foi um problema no Brasil. Lê-se muito pouco por aqui. Segundo uma pesquisa o brasileiro lê 1,8 livros por ano. É realmente entristecedor. Por isso, o governo federal, lançou em 2006 o Programa Nacional do Livro e Leitura, o PNLL, que consiste numa intenção de realização de – pasmem! – 185 ações para aumentar este índice.Mas lendo sobre algumas dessas possíveis ações do Programa não vislumbrei avanços nesta questão. E tudo porque penso que o cerne da mesma não foi mirado. Explico: por que o brasileiro lê tão pouco? Simples. É porque não temos uma educação que realmente incentive este hábito e também porque a distribuição de renda no país é bastante injusta.As pesquisas – quando existem! – são realmente desalentadoras. Por exemplo, a realizada pelo Centro de Estudos da Metrópole na grande São Paulo constatou que 32,3% daquela população com mais de 15 anos jamais pisaram numa biblioteca. Ora, para locar um livro numa biblioteca pública não se precisa de dinheiro, mas de gosto pela leitura.Penso que se deveria contratar também contadores de história, tanto na alfabetização, quanto no ensino fundamental, a fim de se encantar e atrair a criança para o mundo dos livros e evitar este choque com a leitura que geralmente ocorre depois, principalmente na prova de redação do vestibular.Porque a continuar assim, o velho pão e circo – no caso do Brasil, leia-se cachaça, futebol e carnaval – patrocinado pelos politiqueiros, é e vai continuar sendo todo o saldo de uma Cultura brasileira. Já que nestes três quesitos não é necessário saber ler e, muito menos, pensar.Por fim, movimentos como o Literatura Urgente, encabeçados por escritores consagrados como Moacyr Scliar, Ignácio de Loyola Brandão, entre outros, deveriam somar esforços na cobrança de uma política educacional funcional, ao invés de solicitar apoio direto para o escritor. Escritor não precisa de apoio. Escritor precisa é de leitores. Quem precisa de apoio são as bibliotecas, as editoras, as livrarias e, principalmente, os eventos culturais que tenham um teor de acesso democrático ao bem cultural.Isto feito, isto é, a educação formando verdadeiros cidadãos, leitores do mundo e dos livros e o sistema oferecendo acesso democrático aos bens culturais, teríamos, então, consumidores de livros e tudo o mais que se produza neste vasto mundo chamado Cultura.
Ronaldo Teixeira
Carta maior

domingo, junho 25, 2006

Meu desejo é incentivar a leitura"


Mindlin diz que aceitou candidatar-se porque quer bibliotecas em todo o País

Beatriz Coelho Silva
A eleição do empresário e bibliófilo José Mindlin para a Academia Brasileira de Letras (ABL), esta semana, confirma uma tendência da Casa nos últimos anos. Mais que a produção literária, privilegia-se o currículo do candidato em favor da cultura e da educação. Foi assim co m o cineasta Nelson Pereira dos Santos, eleito em março. Agora Mindlin consagra a fórmula. Afinal, pouca gente batalhou mais pela preservação de nossa memória e pela difusão de nossa cultura. Seja na vida privada, como colecionador de documentos e livros sobre o Brasil, na profissional, como presidente da Metal Leve, ou na vida pública. Sua passagem pelo governo paulista nos anos 70 deixou marcas perenes.Mindlin nunca havia pensado na imortalidade, embora pertença à Academia Paulista de Letras desde os anos 90. "Sou mais leitor que escritor", disse ao Estado, enumerando os livros de sua autoria, semi-autobiográficos, Uma Vida entre Livros, Memórias Esparsas de uma Biblioteca e Destaques da Indisciplinada Biblioteca de Guita e José Mindlin. Ele também não cumpriu o ritual de visitas. "Aceitei o convite, mas não me sentiria bem pedindo votos, embora o convívio com os acadêmicos seja um dos motivos para eu me candidatar. Os outros são a possibilidade de incentivar a leitura e a difusão da obra de grandes escritores. Os meus preferidos são Marcel Proust, Machado de Assis e Guimarães Rosa. Os dois últimos, por sinal, passaram por esta casa." Mesmo sem cumprir rituais, Mindlin teve recepção calorosa. Recebeu 33 votos dos 37 válidos, com um branco e duas abstenções, de Paulo Coelho e de Ariano Suassuna. E 27 colegas de imortalidade, um recorde, votaram pessoalmente e, depois, comemoraram com o novo colega. Ele esperou a notícia com dona Guita, sua mulher há 68 anos e mãe de seus filhos, três moças e um rapaz. Duas, Diana e Betty, estavam lá com os pais.Mindlin recebeu a notícia com humor. "Sou o mais novo imortal e devo também ser o mais velho", comentou. Mas, aos 91 anos, sua vitalidade é de 60 e a receita, muito pessoal. "É preciso gostar da vida, ter senso de humor, esquecer a idade e não ter juízo. Faço tudo que é proibido a um homem de 90 anos e vivo muito bem." O amor aos livros, expresso até na gravata com estampa de uma estante, vem da infância. A coleção de obras raras começou na adolescência.Aos 13 anos, comprou o Discurso sobre História Universal, de Jacques Bossuet, uma tradução portuguesa de 1740. "Havia uma bibliografia e não sosseguei enquanto não consegui comprar todos os livros", lembra. Pouco depois, tornou-se redator do Estado. "Entrei em maio de 1930 e fiz 16 anos em setembro. Acho que fui o redator mais novo do jornal. Uma experiência fantástica, porque era época da Revolução de 30 e o doutor Júlio Mesquita Filho, um dos líderes, me encarregava de passar instruções para seus aliados de outros Estados em inglês, para evitar a censura."Pouco depois, entrou para a Faculdade de Direito e lá conheceu dona Guita, uma história de contos de fadas. Ela era o sonho de muitos futuros advogados, mas ele se declarou antes de todos. "Eu o tinha visto na platéia do teatro e achado interessante. Logo depois ele veio falar comigo", conta Guita. O amor aos livros os uniu e ela não se contentou em incentivá-lo como colecionador. Tornou-se conservadora de livros e documentos antigos. "Até hoje, quando o preço de uma obra me assusta, ela me faz comprá-la", diz ele. "Foi assim que adquiri a primeira edição de Os Lusíadas, o item mais precioso do acervo."A coleção é a maior do País e uma das maiores do mundo, mas ele não a considera completa. Ainda faz aquisições e os livreiros e caçadores de obras raras o têm como cliente preferencial. "Há um certo exagero", corrige Mindlin, modesto. "Tenho 38 mil títulos catalogados, metade deles da coleção Brasiliana (livros e documentos sobre o Brasil, do século 16 em diante). Como um título pode ser um folheto ou uma enciclopédia, não sei quantos volumes são." Se sua biblioteca é enorme, sua meta é espalhar outras pelo Brasil afora. "Em São Paulo já temos uma em cada cidade", comemora. Esse amor à literário levou-a à Secretaria de Cultura no governo de Paulo Egydio, em plena ditadura, da qual era ferrenho opositor. "Eu fiquei em dúvida, mas meus amigos me lembraram que, seria pior se o cargo ficasse com alguém a favor. Como não dependia disso para viver e podia ir embora quando quisesse, aceitei. Melhorei as condições da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e criei a carreira de pesquisador, reivindicações antigas dentro do governo."Leitor voraz que já devorou 8 mil títulos, Mindlin prefere ficção, mas não liga para os best-sellers do momento. "Prefiro que o tempo me dê a dimensão exata do livro." Passa horas escrevendo e diz ser capaz de se concentrar na escrita e prestar atenção na conversa a seu redor. "Aprendi quando era redator do Estado, pois sempre tinha alguém querendo contar um caso." Sua preferência pela ficção não o tenta a inventar uma história. "Não é coisa que se faça porque se tem vontade ou por encomenda", justifica. "Mas, na minha vida, as coisas boas aconteceram por acaso. Quem sabe ainda não me arrisco na ficção?"

Resistindo ao fogo da censura

História Universal da Destruição dos Livros revê mais de 55 séculos de destruição

Lilia Moritz Schwarcz

No ano de 1933, o jovem Joseph Goebels foi designado por Hitler para atuar no novo órgão do Estado: o Ministério do Reich para a Educação do Povo e Propaganda. Por meio desta instituição, Goebels garantiria não só o controle absoluto sobre a educação, como teria oportunidade de promover mudanças nas escolas e universidades. Imbuído pelos ideais do Reich que implicavam, entre outros, resgatar a auto-estima do povo alemão, em 8 de abril o general enviou um memorando às organizações estudantis nazistas, propondo a destruição dos livros considerados perigosos.E em Leipzig, Berlim, Bonn, Breslau, Frankfurt, Hannover, Munique ... os livros queimaram. Foram destruídos mais de 5.500 livros, de autores como Thomas Mann, Albert Einstein, Sigmund Freud, Karl Marx, Arthur Schnitzler, Stefan Zweig, só para ficarmos com poucos nomes de uma grande lista de "indesejáveis". Freud, já longe da Alemanha, ironizaria a situação, dizendo que "na Idade Média eles teriam me queimado, agora se contentam em queimar meus livros". Começava então um episódio conhecido como o "Bibliocausto", que antecederia em alguns anos o Holocausto e a aniquilação sistemática de milhões de judeus, durante a Segunda Guerra Mundial. Conforme teria escrito profeticamente o poeta alemão Heinrich Heine, em 1821: "Onde queimam livros, acabam queimando homens."Setenta anos depois, o mundo conheceu outra grande "queima". Em 2003, no Iraque - berço da civilização da escrita -, boa parte das bibliotecas foi saqueada ou queimada. Se no dia 12 de abril o mundo recebeu a notícia do saque ao Museu Arqueológico de Bagdá; já em 14 de abril, um milhão de livros seria incendiado na Biblioteca Nacional, além do desfalque ao Arquivo Nacional e a outras dezenas de bibliotecas universitárias, espalhadas por todo o país. Dessa vez se tratava de um "memoricídio".Fernando Báez, um especialista na história dos livros e assessor da Unesco, andou por mais de 8 anos atrás dessa história, que conta com mais de 55 séculos de destruição. A tese central é que os livros foram sistematicamente dizimados e que, sua destruição não está ligada ao objeto físico, mas se refere a seu vínculo com a memória. Segundo Báez, enquanto os terremotos, incêndios, pestes foram responsáveis por 40% dos danos; os demais 60% devem ser imputados a atos evidentemente voluntários.Por isso mesmo, o autor elabora uma longa história dessa prática, talvez o mais amplo, e por vezes programático, levantamento desse gênero. Essa viagem acompanhada por livros e referências bibliográfica começa no Mundo Antigo - Suméria, Egito, Grécia, China, Constantinopla e Roma - e revela como a prática de eliminação dos livros foi freqüente. É fato que o autor comete certos excessos e em nome de delatar tal prática coloca todos no mesmo barco: Moisés e Platão seriam destruidores de textos escritos, assim como os governantes mais totalitários. O mesmo acontece com o período moderno; nem Descartes ou Heidegger escapariam do desejo de aniquilar o livre pensar. No entanto, se essa "sanha generalizadora" pede um exercício de relativização - afinal, as conseqüências de políticas oficiais de extermínio são bem distintas das atitudes mais individuais - chega a ser comovente o mapa desenhado por Báez. O autor nos leva ao Renascimento, e ao desaparecimento de várias bibliotecas privadas; adentra o ambiente da Inquisição e do Index librorum prohibitorum, que gerou o confisco de milhares de livros em toda a Europa e depois no Novo Mundo; assim como descreve uma série de fenômenos naturais - terremotos, incêndios, furacões e inundações - sempre impiedosos com os papéis e livros. E os exemplos são muitos e eloqüentes: o incêndio de Cantuária em 1067, em Colônia em 1777, em Indiana em 1854 ou em Chicago em 1871; o terremoto de Lisboa em 1755 ... São testemunhos de como os acidentes físicos levaram ao desaparecimento de parte fundamental da memória da humanidade.Báez chega à contemporaneidade, debatendo temas do presente, como a nova modalidade dos livros eletrônicos. Mas chamam atenção não tanto as novidades, como as reiterações. Os exemplos de censura a Vargas Llosa, Jorge Amado e, nomeadamente, Salman Rushdie indicam como essa não é uma história presa ao passado, mas ganha novas versões no presente. As formas recentes de terror, os ódios étnicos e outros marcadores de diferença mais recentes criaram formas renovadas de destruição.História Universal da Destruição dos Livros (Ediouro, 512 págs., R$ 49) traz, assim, um sombrio perfil sobre nossa dificuldade de lidar com a liberdade de pensamento. Como levantamento é impressionante, no entanto, por vezes estão ausentes do livro análises mais aprofundadas, especialmente quando o autor tende a igualar exemplos que têm repercussões muito distintas. Por outro lado, Báez permite ter clareza não só sobre a destruição perpetrada, como acerca da presença dos livros nos destinos da humanidade. Afinal, na história das bibliotecas e dos livros sempre se impôs uma duplicidade: observados mais de perto parecem frágeis e passageiros; vistos, porém, de uma maneira mais distanciada surgem indestrutíveis. Assim, de um lado, a história mostra como os livros foram sistematicamente arrasados, seja por motivos naturais, seja por conta da própria razão instável dos homens. Cada vez que uma biblioteca caía, tombava com ela uma parte da civilização. Foi assim com Alexandria, que durou apenas um século, e com seus 700 mil volumes foi-se parte do conhecimento disponível sobre a Grécia. O mesmo ocorreu quando Monte Cassino foi bombardeada, durante a Segunda Guerra Mundial, e perdeu-se boa parte do conhecimento sobre a Europa medieval. E não faz muito tempo, a destruição da Biblioteca Nacional do Camboja, pelo Khmer Vermelho, levou consigo o maior estoque de informações sobre aquela civilização.O autor tem razão, portanto, ao mostrar como essa história é antiga e feita de destruições, mais ou menos intencionais. E o caso brasileiro não é diferente. Em primeiro lugar há que se perguntar porque as autoridades coloniais opunham tantos obstáculos à entrada de livros no País. E o problema seria até maior, dada a proibição expressa da existência de universidades e da impressão de livros até 1808.No entanto, assim como é certo que em todos os tempos se criaram óbices à circulação de obras consideradas perigosas, também é inegável como tais atos jamais impediram que os livros fossem lidos. No Brasil, por exemplo, e a despeito de tantas proibições, foi uma biblioteca - a Real Biblioteca -, que aqui aportou logo após a chegada da Família Real em 1808, tornando-se elemento estratégico para a nossa independência política. Na famosa "conta" que o Brasil teve que pagar em 1825, para garantir a sua emancipação, a coleção de livros surgia em segundo lugar, logo depois da famosa "dívida pública".Como se vê livros e bibliotecas nunca ficaram apartados da política oficial, assim como tal prática de destruição não foi totalmente bem-sucedida. E a própria ficção ajudou a lembrar da destruição, mas também do fascínio que exercem os livros. Poucos esquecem do episódio que narra uma armadilha empregada contra D. Quixote, famoso personagem de Cervantes, enquanto este "tentava descansar o corpo moído". Foi quando o barbeiro e o cura entraram no cômodo onde estavam os livros "culpados" e lá acharam mais de cem grossos volumes: ali estava uma "livraria endemoniada", pensaram eles, e deram início a um "auto-de-fé". Por outro lado, Italo Calvino, no conto Um General na Biblioteca, descreve um episódio ocorrido na Panduria, "nação ilustre, onde uma suspeita insinuou-se um dia nas mentes dos oficiais superiores: a de que os livros contivessem opiniões contrárias ao prestígio militar". A operação, que levou à "invasão da biblioteca", resultou, não obstante, na conversão dos próprios militares ao mundo dos livros.Isso sem esquecer de Borges que em A Biblioteca de Babel concluiu que quando se proclamou que a biblioteca guardava todos os volumes do mundo, "a primeira reação foi de uma felicidade extravagante". Mas talvez o personagem que mais simbolize essa ambigüidade, expressa entre as práticas de destruição e sobrevivência, seja o professor Peter Kien - do livro de Elias Canetti, Auto-de-Fé -, eminente sinólogo, cuja obsessão eram os livros e sua seleta biblioteca, que lhe permitiam evitar o contato objetivo e prático com a realidade que o massacrava. "Dez mil livros e sobre cada um deles um fantasma acocorado. Às vezes ouvia-os virarem as páginas. Liam tão depressa como ele." E como nas demais histórias, também a biblioteca do professor Kien ardeu, com ele dentro, assim como antigamente se queimavam os bens junto com o morto. Mas seus fantasmas continuaram presentes, vivendo em seus acervos quase destruídos.Tantos fantasmas habitam nossos livros, ainda hoje repletos da utopia de conterem toda a enormidade do conhecimento e de acumularem a memória universal. A obra de Báez revela, assim, e pela porta dos fundos, como, para além destruições, os livros sempre resistiram ao fogo fácil da censura e dos terremotos dos homens.

Lilia Moritz Schwarcz é professora do Departamento de Antropologia da USP e autora, entre outros livros, deAs Barbas do Imperador