quinta-feira, janeiro 11, 2007

Leitura e Animação Cultural - repensando a escola e a biblioteca - organizado por Tania M. K. Rösing e Paulo Becker.Editora UPF

Resenha abaixo
Repensando a Leitura, Animando a Escola e a Biblioteca:A cura para o analfabetismo cultural

Luís Peazê*

Com este tomo de Leitura e Animação Cultural – repensando a escola e a biblioteca nas mãos, me ocorreu a analogia com uma frase de um carpinteiro naval amigo, sobre a construção dos barcos de madeira. Disse-me ele: quando se constrói um barco realizando um sonho, a alma que habita o tronco das árvores vai aos poucos se integrando com a alma do próprio sonhador e ali começa a história de ambos, que nunca mais se dissociam um do outro, barco e construtor.
Falar de barcos, leitura, sonho e livros é um movimento natural e recorrente para mim, da mesma forma deveriam ser indissociáveis a escola da biblioteca, estas da cultura, e obviamente os agentes sociais dos livros e multimeios de leitura, produzindo todos juntos uma onda orgânica e realimentadora do saber. E foi exatamente esta visão que eu tive logo na apresentação feita pela Professora Tania Rösing, desta coletânea de artigos, produzidos a partir da discussão e reflexão dos princípios e metodologias desenvolvidas no curso de Especialização em Leitura e Animação Cultural, do Centro de Referência de Literatura e Multimeios da Universidade de Passo Fundo, RS.
A visão, contudo, se deu pelo viés do "na-prática-não-é-isto-que-acontece" na conclusão que a Prof. Tania faz ao comentar a importância da dinamização de bibliotecas escolares e a transformação de bibliotecas em centros multimidiais de promoção de leitura, posto que a leitura é prática social de interesse de todas as áreas do conhecimento, "especialmente quando se constata um analfabetismo cultural em diferentes segmentos profissionais". Afirmação forte, mas discorde se for capaz – pronto, o livro se torna um desafio. A cura.
E a sua leitura é animada, poderia não ser, quando se entende o seu propósito: um livro que ensina a se ensinar a ler, e onde se aprender a ler, neste caso quem não for um educador de leitura, sabendo que, para ensinar a ler tem-se que aprender a ensinar aprendendo com os leitores. Por fim, para se ensinar e aprender qualquer matéria, saber ler é fundamental.
Eu sei ler? Perguntei e mergulhei no primeiro capítulo, "Contribuições Teóricas para o desenvolvimento do leitor: teorias de leitura e ensino", pensando, honestamente, que fosse marear logo nas primeiras vagas, e quando me dei conta estava já em alto mar, lendo inclusive o contraste não apenas sonoro entre o português e o espanhol desta edição bilíngüe.
O interessante, e aí aparece o mérito dos organizadores, é que os textos se coadunam indiferentes às preferências cognitivas dos seus autores, pois, se um opta pelo registro in loco da referência bibliográfica, que remete o leitor ao rodapé e dali às estantes das bibliotecas propriamente ditas, o outro escolhe o subterfúgio da expressão coloquial, para, ambos, criarem imagens que podem remeter o leitor criativo à produção de um conto, se quiser. Por exemplo: ao estabelecer um paralelo entre alunos de leitura que provêm de famílias com pouca ou nenhuma escolaridade, diga-se, não acostumados com bilhetes domésticos, leituras e referências a jornais, revistas e, francamente, nem a livros, e alunos que aculturam-se socialmente através inclusive destes meios de leitura e hábitos e costumes qualquer coisa sofisticados, um dos autores aproveita para criar-nos mentalmente uma biblioteca de referências imperdíveis, tais como em Bamberger, Bakhtin, Terzi, Rojo, Shirley B. Heath, por aí. E temos ou não temos assim, um cenário real, factível? Daí, como aprender e ensinar leitura neste contexto?
Outro autor, como se tivesse combinado com o anterior, refere-se à conhecida afirmação de Paulo Freire: "A leitura de mundo precede a leitura da palavra". O caso da criança que abre os olhos e lê o teto, os corpos gigantes das pessoas curvadas olhando para dentro do berço, depois ela lê as árvores, o vento, os animais, as coisas ao redor e aquilo que lhe servem à boca, quando um belo dia todos os substantivos são reapresentados a ela com este sobrenome e um nome próprio, ela descobre a palavra, as regras escritas e começa a ler o mundo novamente, agora através do letramento. Mais adiante o mesmo autor nos põe também na cena de um conto a ser escrito, lembrando o hábito de crianças ainda não alfabetizadas imitando o gesto dos adultos lerem – a idéia é para afirmar que a leitura está definitivamente introjetada no modus vivendi do homus sapiens, mas o conto está ali antes de tudo. E estamos lendo, inclusive lendo nas entrelinhas deste próprio livro que ensina a ensinar a ler.
E assim por diante seguem-se os demais artigos, inclusive citando a bibliografia dos organizadores, uma simbiose singular em livros do gênero. Nesta altura, se o livro nas suas mãos pecou foi em reafirmar sistematicamente a necessidade da criação de Centros de Promoção de Leitura de Múltiplas Linguagens e não vir com sons, cheiros, desenhos animados e coloridos, eletrônicos, interconectados, e com textos interativos e multimidiais. O que seria impossível, portanto um pecado inescapável, absolvido. Isto é, ainda estamos com o velho livro nas mãos, e lendo sobre tudo isso, sobre uma terra a ser descoberta. Talvez um dos motivos para não termos chances de marear, estando bem ocupados trabalhando sobre o convés da leitura.
A propósito, a hiper organicidade textual citada acima é abordada no livro de modo sintético, mas com mérito que merece destaque, posto que o assunto é tão novo quanto extenso, é tão desconhecido quanto afugenta àqueles que dele conhecem pouco ou nada, criando um escudo de inibição, no caso dos educadores. "Na verdade, a resistência em discutir os novos mídias em sala de aula parte geralmente da insegurança do próprio professor, que, de um lado, não domina ainda esses equipamentos e, de outro, também se sente excluído".
E a primeira parte termina, contudo sem antes deixar de assumir contornos ligeiramente difusos no artigo intitulado "Como planejar a pesquisa em leitura". Mas eu perguntaria: como ensinar a planejar pesquisa em leitura para ensinar a ler, em apenas um artigo? Talvez então, este artigo seja o que demande uma leitura mais atenta do que os outros, ou mais lenta, mais reflexiva, cerebral, abstrata. Quem sabe.
Corta para a Formação do leitor infanto-juvenil, pois até aqui não havia uma idade definida para o nosso público alvo, portanto, supondo que a resenha de um livro que pretende ensinar a ensinar a ler esteja sendo lida somente por adultos, cuidado, entrar-se-á numa área em que nós adultos afundamos no nosso passado e nos recusamos ao resgate de nós mesmos, embora afirmem os psicólogos de plantão, seja esta a saída para todos, nunca naufragar por opção. Sendo assim, coragem, viremos a página e rumemos para a "Natureza e funções da literatura infantil". E tenhamos uma aula de história, para nunca mais utilizar a expressão "cara de bobo como se estivesse num conto de fadas". Os contos de fadas nem sempre comportam as fadas, tampouco desaguam em finais felizes. Pensemos: quanta diferença há entre narrar um conto para uma criança conhecendo as suas fontes, e narrá-lo com a mesma ignorância dos infantes? Ora, se acreditamos que aqueles três porquinhos vivem exatamente como naquela última edição encadernada com capa dura e ilustrações recentes, não haverá nada, um gesto, um tom de voz, um sinal de que há um algo mais, verdadeiro, na história, e ela fica como em nós mesmos, submersa no passado, para sempre. Os dois primeiros artigos são meritórios exatamente por isso, não nos convidam somente a fazer chover batendo com as pontas dos dedos, depois com as palmas das mãos e finalmente com os pés, levando a audiência a imaginar um temporal sobre o telhado. O texto explica e explica bem. Uma aula. Nem por isso o façamos como num quadro de Bruguel (Jogos Infantis) em que ele retrata as brincadeiras de rua com os personagens sem nenhum sorriso nos lábios. E, novamente, adquire-se uma biblioteca, pois um dos artigos tem um lastro de três páginas com referências bibliográficas, portanto valoriza-se aqui o conteúdo – para a forma e estilo há muito tempo nesta própria resenha faz-se vista grossa. Sem culpa.
Parte três, terra à vista: A biblioteca como centro de ações educacionais e culturais. Já anunciava em sua apresentação, a Professora Tania Rösing, na França a biblioteca é um centro irradiador de conhecimento que modela o sistema de ensino. A biblioteca como eixo estruturador curricular. Aos livros! Aos espaços de leitura, aos projetos, conteúdos e animação cultural, à leitura na biblioteca multimídia, entre o poder e o desejo, à sala de leitura como espaço de animação cultural, à política educacional... Apesar destes títulos, os artigos não têm necessariamente o tom de planfletagem, mas não deixam de ser um mote com sabor de um novo paradigma, ou de uma sugestão de novo paradigma, necessário. Com destaque à experiência da Universidade de Extremadura, através do seu seminário interfacultativo de leitura como plataforma de cooperação entre instituições, pela novidade que representa para o educador/leitor brasileiro, e por ser o mais extenso dos artigos do livro – com algumas reservas pode-se, guiado por ele, provavelmente montar-se uma biblioteca modelo – bem didático. Estrategicamente colocado antes do artigo que transporta a contribuição francesa para o tomo, uma referência para os tomadores de decisão na esfera estrutural de ensino oficial.
E aqui, a poucas páginas do colofão, "A biblioteca e a sala de leitura como espaço de animação cultural" se nos abre diante dos olhos com um poema de Antonio Cícero, Guardar, fazendo analogia com o significado da palavra biblioteca que ao contrário de sua origem etimológica não deve permanecer associada à caixa de livros, ao lugar sombrio, inóspito, ranzinza. Se faltava poesia já não falta mais, naveguemos no que o autor sugere, num "território de produção de sentidos".
O fechamento deste livro de coletânea de artigos sintetiza o seu vasto conteúdo no seu último título: "ressignificando a escola", de modo que a biblioteca deve assumir um novo status no processo educacional e cultural. Ponto.
Resumo este produzido por um dos organizadores, não por acaso o criador há vinte e dois anos da maior movimentação cultural literária no Brasil, as Jornadas Nacionais de Literatura, que nasceram no seio do Mundo da Leitura, apelido carinhoso do Centro de Referência e Multimeios da Universidade de Passo Fundo, embrião para o curso de especialização em leitura e animação cultural, fonte para o presente livro, a pura realização de um sonho. Que de agora em diante passa a conter a mesma alma, embarcação e autores, numa coisa só. Leia mais>>>.
Os artigos citados acima são de autoria dos professores Tania Rösing, Paulo Becker, Hercílio Fraga de Quevedo, Maria Fátima Ávila Betencourt, Cláudio Joaquim Paiva Wagner e Eliana Teixeira (UPF); Sérgio Capparelli (UFRGS); Vera Teixeira de Aguiar e Luciana Lhullier Rosa (PUC-RS); Nanci Gonçalves da Nóbrega (UFF); Angela Kleiman (Unicamp); Leiva de Figueiredo Vianna Leal (UFMG)