terça-feira, janeiro 02, 2007

Esse tal de contador de histórias

Grupo Morandubetá

Por esses dias recebemos um e-mail com uma pergunta de um "navegador": O que é um contador de histórias?
Ficamos nos questionando sobre qual resposta daríamos. Qual seria essa definição. A pergunta nos fez refletir sobre o nosso trabalho. Quem somos nós? Como somos vistos aos olhos dos outros? O que é na verdade o nosso fazer? E descobrimos que existem muitas definições para os contadores de histórias. Descobrimos que existem diferentes espécies...Vamos explicar melhor.
Existem aqueles que contam histórias que aprenderam. Geralmente são histórias que gostaram e contam pelo prazer de falar e de serem ouvidos. Quase sempre a realização é mais pessoal que material, porém às vezes tentam ganhar algum dinheiro para contar e aceitam qualquer coisa. Com o tempo o repertório se esgota, fica repetitivo e vai cansando o ouvido dos outros.
Há os que resolvem ensinar o que não sabem e vivem dando cursos e escrevendo livros. Mas não dizem as palavras, não contam as histórias, não constroem a narrativa. Apenas ensinam, ensinam, ensinam. O quê? Nem eles mesmos sabem.
Um outro tipo é o que pensa que conta, que pensa que ensina, que pensa que escreve e além disso agencia e explora os artistas. Suga a essência vital do contador para ganhar o dinheiro e a fama que jamais teria com o talento que não possui. Aproveita-se da situação, dos conhecimentos (pessoais, políticos, familiares...) e ganha sem fazer esforço, sem "mostrar a cara", sem contar histórias. ESSES SÃO TERRÍVEIS!
Tem os que exageram e utilizam tantos adereços e "caras e bocas" que a narrativa se perde no meio de apelos redundantes.
Também não podemos esquecer dos artistas financeiramente insatisfeitos que buscam no ato de contar histórias apenas o lucro, não acreditando que seja um trabalho artístico.
Agora, existe o artista que é artista por natureza, que de nada precisa a não ser da palavra, do gesto e do olhar do seu ouvinte. O artista é sempre grandioso. Traz na alma a emoção e contagia a todos.
E há ainda os que têm o desejo do artista, acreditam no que fazem e o fazem com a alma, porque o corpo emprestam aos personagens das histórias. Investigam, pesquisam, inovam, escrevem, ensinam e aprendem muito, muito mais. Possuem um trabalho artístico e também são formadores de cidadãos mais conscientes, críticos e questionadores. Seus ouvintes não escutam apenas histórias, escutam no fundo de cada palavra a fala de educadores e formadores de leitores. Por que para esses que chamamos de narradores e pesquisadores da arte de contar histórias: leitura, educação e cidadania andam sempre juntas.
Temos certeza que deve haver outras espécies de contadores e aos poucos vamos descobrí-las. Elas estão crescendo e se multiplicando. Infelizmente também estão se vulgarizando e usando o nome do contador em vão, sem perceber ou se importar com o valor da palavra.
Contar histórias é revelar segredos, é seduzir o ouvinte e convidá-lo a se apaixonar...pelo livro... pela história... pela leitura. E tem gente que ainda duvida disso.
O contador é aquele que diz , por isso precisa saber bem o que irá dizer. Precisa ter dúvidas, certezas, conhecimentos, estudo e talento. Talento de sedução. Se fazer ouvir não é tão fácil assim, ainda mais quando atendemos a um público sem idade.
Contar histórias é uma arte e quem faz arte é artista, está no sangue, na alma. Quem faz arte não pode temer. Tem que encarar. A arte tem um preço. Tem um valor. Mas infelizmente sabemos que nem todo mundo tem olhos para admirar a arte, nem tem dinheiro para pagar o preço. E aí se confundem na escolha. E preferem qualquer coisa ao invés do nada.
Mas não podemos entrar nesse jogo, nem fazer menor. Este não é um trabalho para multidões, mas para um público que se sente seduzido pela palavra. Nós não "exploramos" o corpo, nem vulgarizamos a palavra, contamos histórias. Sem exageros ou excessos, com simplicidade e sutileza. E nunca estamos sós, pois as histórias nos acompanham, elas nos fazem preenchidos e nos fazem também solidários, já que estamos sempre dividindo palavras, ouvindo e contando.
Foi essa a resposta que encontramos. Não sabemos se podemos chamar de resposta. Ela está cheia de perguntas nas entrelinhas. Enfim...o contador de histórias é aquele que cria, é aquele que empresta o corpo, a voz e a alma para dar vida a mais uma nova história.
O contador é aquele que preserva a história e não a deixa morrer.