domingo, novembro 16, 2008

Etica e Deontologia o papel das associações profissionais

ÉTICA E DEONTOLOGIA : O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES
PROFISSIONAIS

Francisca Rasche

Resumo: Trata da ética e da deontologia no âmbito da biblioteconomia. Mostra o
papel das associações no fortalecimento da profissão. Ressalta as associações
profissionais como espaço privilegiado para a reflexão ética e deontológica.
Problematiza sobre a importância da participação dos profissionais bibliotecários
nas entidades representativas da categoria numa perspectiva de construção ética
responsável. Concluí mostrando a importância de um agir ético que se paute no
respeito ao outro e na construção de consenso como forma de minimizar a
tendência de ações individualistas tão difundidas na sociedade atual.

Palavras-chaves: Associações Profissionais; Deontologia – Bibliotecários; Ética Bibliotecários


1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

É possível existir ética profissional sem existir participação dos profissionais
nos órgãos representativos da categoria? Esta pergunta apresenta a problemática
que será abordada neste trabalho. Formulada durante o 1º Encontro de Ética para
Bibliotecários do Estado de São Paulo1 permite algumas considerações sobre o
espaço da discussão ética e deontológica e suas relações com os órgãos
representativos da categoria profissional bibliotecária.

O que é a ética senão uma ação reflexiva em relação à conduta humana? A
partir das concepções apresentadas por Abbagnano (1998) a ética pode ser
considerada a ciência da conduta, como estudo do “ideal para o qual o homem se
dirige” de acordo com sua natureza. De outro lado, o autor situa a ética como o
estudo dos “motivos” ou “causas” da conduta humana ou das “forças” que a
determinam, pretendendo ater-se ao conhecimento dos fatos”(ABBAGNANO,
1998, p. 380).

Partindo destas considerações, a ética profissional pode ser entendida como

o estudo da conduta humana no exercício de uma profissão, seus ideais, motivos e
causas. Inicialmente é importante destacar que a expressão “ética profissional” fere
uma discussão de uma ética de perspectiva igualitária porque atribuí para um grupo
de pessoas, membros de um grupo profissional, uma ética especial em detrimento
dos demais membros da sociedade (TAVARES, 1998). Para tratar da ética
profissional é necessário fazer referência à “deontologia”. Isso porque, deontologia
Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, v.10, n.2, p . 175-188 , jan./dez., 2005


é um termo mais apropriado para a discussão em torno da conduta profissional,
compreendendo-a como um esforço para obter-se uma uniformização da ação dos
membros de uma categoria profissional. Uniformização não no sentido de igualar
as ações, mas sim, de orientar, prescrever, controlar a conduta dos membros da
profissão visando construir uma identidade e por meio desta, tornar-se respeitado e
conhecido pelos demais membros da sociedade. Nas palavras de Souza (2001, p.
55), a realização de um trabalho e a ação de um grupo se dará “como se fosse a
ação de um único indivíduo”.

A princípio a reflexão em torno do comportamento dos membros de uma
categoria profissional tende a acontecer nos diferentes espaços nos quais estes
membros se situam. Se a ética é uma ação reflexiva em torno dos ideais e causas da
conduta humana, portanto, uma ação própria do homem enquanto ser social, ela se
constrói em qualquer tempo e em qualquer lugar. O modo de um determinado
profissional se comportar, independente de como tal comportamento venha a ser
qualificado, se dá com base em certos princípios, a partir de um modo de ver a
realidade, e principalmente, de se ver nesta realidade. Assim, enquanto um ser
humano que sente e pensa, é possível refletir sobre um dado comportamento seus
motivos e complicações individualmente ou em grupo. Porém, considerando que
“ser profissional” implica em situar-se em um determinado contexto, o
comportamento, as implicações e motivos para tal, bem como, as reflexões em
torno do mesmo dizem respeito ao grupo que esse individuo integra. Esta
compreensão tem por base as considerações de Berger e Luckmann (1995)
relativas à construção social da realidade. Para esses autores, a construção da
realidade social se dá em processos de comunicação (uso da linguagem) e interação
do homem em diferentes graus de socialização, familiar, institucional e social de
um modo geral.

O conceito de profissão adotado aqui se reporta a visão sistêmica de
Freidson (1998). De acordo com o autor, uma ocupação organizada se constitui em
uma profissão, a partir de elementos como a expertise (conjunto de conhecimentos,
competências e técnicas especiais), credencialismo (escolas ou colégios que
autorizam a entrada de novos membros no exercício da profissão) e a autonomia
que reflete a capacidade da categoria reinvidicar pra si o poder de controlar arealização e o modo de fazer um determinado tipo de trabalho. É no âmbito da
autonomia que estão as corporações profissionais, associações e sindicatos.

As associações profissionais são entidades representativas dos membros de
uma dada profissão que promovem uma maior interlocução entre seus membros edestes com a sociedade. É nesse sentido que Zamora (2003) destaca que num
tempo de constantes mudanças tecnológicas que interferem nos serviços de
bibliotecas, tanto as associações como os colégios profissionais devem dar
respostas aos códigos de ética. A autora salienta que os mesmos (os códigos),
devem promover um comportamento profissional que corresponda às necessidades
de informação demandadas pela sociedade de acordo com os interesses dessa
sociedade.

A partir destas considerações iniciais, este trabalho procura mostrar como a
discussão ética e deontologica tende a contribuir para o fortalecimento da
profissão, e conseqüentemente de seus membros, e promover um bem maior para a
sociedade como um todo. Nesse sentido, situa o papel das associações profissionais
com ênfase para a realidade biblioteconômica brasileira. Evidência a importância
da efetiva participação dos membros da categoria no processo de fortalecimento da
profissão na sociedade, como forma de construir um agir mais ético. Menciona um
agir ético a partir de uma ética do consenso, de uma ética que respeita o outro, com
base nas abordagens da ética da alteridade e do discurso, visando minimizar a
tendência de uma ação individualista tão difundida na sociedade atual.

2 O DESAFIO ÉTICO

acho que, basicamente, queremos sentir que nossa vida
redundou em algo mais do que consumir produtos e produzir lixo2

O que significa agir eticamente? O que significa fazer o bem sem interesses
pessoais se conforme Singer (2002, p. 319), “somos socializados numa ética de
individualismo e competição”? Qual o sentido da ética em uma sociedade na qual
os valores humanos se perdem no consumo de objetos e de imagens e as relações
cada vez mais, são mediadas já que na cena urbana, o medo da violência convida
para o isolamento?

As coisas se passam de tal forma “que a cada dia ganha-se mais paracomprar cada vez mais aquilo que é cada vez menos necessário” (HERMÓGENES,
2004, p. 279) e com isso é necessário produzir mais, para obter recursos e atender
os desejos da aquisitise moderna. Aquisitese moderna que constituí um cenário no
qual, um sofisticado trabalho é realizado na publicidade visando a criação de novas
necessidades. Se de um lado, “a publicidade manda consumir a economia proíbe
[...]. Este mundo que oferece o banquete a todos e fecha a porta no nariz de tantos,
é ao mesmo tempo igualador e desigual : igualdade nas idéias e nos costumes que
impõe e desigual nas oportunidades que proporciona” (GALEANO, 1999, p. 25).

Imersos no desejo do consumo e voltados para uma vida na qual “ser é ser
útil” (GALEANO, 1999, p. 176) vive-se em uma pretensa normalidade.
Normalidade que é quebrada diante de alguns desafios éticos, que conforme
Herrrero (2000, p. 164) “pela primeira vez na história, a ciência e a técnica estão
dando à atividade humana um raio de ação e um alcance de dimensão planetária”.

Nestes tempos, permanecer numa total aceitação entre o igual e o desigual indica
muito mais o que Chalita (2003) chama de anódina, a anestesia da capacidade de
se impressionar. Isso porque, cotidianamente o cidadão moderno lida, direta ou
indiretamente com questões que envolvem a crise ecológica, a devastação da
natureza, a manipulação genética, a fome e a miséria que ainda matam em grande
escala, a violação do direito à vida em guerras civis e ações terroristas, a
desigualdade que minimiza à dignidade humana dado às disparidades na
distribuição de rende e de riquezas.

Desse modo, o desafio ético dos tempos modernos apresenta questões que
vão desde aquelas que envolvem a natureza e a técnica (desafio tecnológicoecológico)
até questões sociais diante de um mundo globalizado (desafio político)
(HERRERO, 2000).

Neste contexto, ser humano e ser um profissional bibliotecário, nos
aproxima de outras questões éticas também desafiantes. O profissional
bibliotecário se ocupa basicamente do tratamento, armazenamento e
disponibilização de informação, seja em bibliotecas, centros de informação,
ambientes virtuais ou reais, seu objeto é a informação. A informação como tal, é
apresentada em diferentes suportes, possuí natureza diferente em função de seu uso
e seu fluxo, com objetivos que vão desde aqueles de educação, de cultura, de
cidadania, de lazer até aqueles, de pesquisa e desenvolvimento, produção científica
e tecnológica, de negócios, dentre outros. As condições materiais e intelectuais em
torno do acesso à informação têm uma importância vital para os membros da
sociedade contemporânea. Essa noção aparece claramente no conceito de
analfabetismo da Organização das Nações Unidas (ONU), que coloca que “saber
falar”, “saber se expressar”, “saber escrever” está relacionado ao domínio da
linguagem e do idioma como condição para entender sobre seu oficio, e dessa
forma, obter e manter-se em um trabalho (ser um trabalhador produtivo) e de outro
lado, permite entender os próprios direitos e deveres na sociedade, e dessa forma
viver como cidadão (TEIXEIRA FILHO, 2001).

Num aspecto mais específico, relativo ao acesso à informação, do qual
bibliotecários e outros profissionais da informação têm participado, está o
movimento pelo “Acesso Livre ao Conhecimento nas Ciências e Humanidades”.
Dentre as justificativas para tal movimento, consta a perda do controle acadêmico
do sistema de comunicação da ciência em função da sua comercialização
(RODRIGUES, 2004). Tal preocupação é visível em ações como a “Declaração do
Estoril sobre o Acesso à Informação”. Documento do 8º Congresso Nacional de
Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas realizado em 14 de maio de 2004 no
Estoril, Portugal. Na Declaração do Estoril, os bibliotecários, arquivistas e
documentalistas mostram uma preocupação e assumem posição em relação ao
acesso à produção científica, especialmente em Portugal, questionando as margens
de lucro dos grupos editoriais que distribuem periódicos científicos no país. A  
referida declaração subscreve outros documentos que integram esse movimento,
sendo, a Declaração da “Budapest Open Access Initiative” declarada e assinada em
outubro de 2003, em Berlin durante a Open Acess Conference; a “Declaration on
Access to research data from public funding", resultante da reunião do Comitê para
a política científica e tecnológica da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 30 de Janeiro de 2004, em Paris; e a
Declaração da International Federation of Library Associations and Institutions
(IFLA) sobre “Open Access to Scholarly Literature and Research Documentation”
de fevereiro de 2004.

No que diz respeito a questões éticas que têm preocupado bibliotecários e
outros profissionais da informação, o direito de acesso à informação tem sido
constantemente referenciado. Isso ganha ênfase a partir das observações de Pérez
Pulido (2002) que destaca que a base que fundamenta os códigos de ética dos
bibliotecários e outros profissionais da informação é a “Declaração Universal dos
Direitos Humanos”, com especial atenção aos artigos que tratam da liberdade
intelectual, da privacidade e confidencialidade, da propriedade intelectual, da
educação, cultura e desenvolvimento da personalidade.

No Brasil, recentemente foi elaborado e publicado o “Manifesto das
Bibliotecas da Amazônia”, durante o I Encontro de Bibliotecas da Amazônia,
realizado de 5 a 9 de maio de 2004 em Manaus. Assinado por bibliotecários (as),
educadores (as), gestores de instituições culturais públicas e privadas, estudantes,
profissionais e trabalhadores (as) da leitura. Os signatários se manifestam em
relação à função social da biblioteca e reportando-se ao “Manifesto sobre
Bibliotecas Públicas da UNESCO”. Tecem recomendações para: orçamento e
finanças; metas de qualidade; metas para construção da cidadania; metas de
aprendizagem permanente; e metas de desenvolvimento socioeconômico,
biodiversidade e diversidade cultural. No Manifesto em questão, a biblioteca é
colocada como uma instituição social imprescindível para o desenvolvimento
integral e sustentável da sociedade. Partindo dessa premissa inicial, a valorização
das pessoas e das comunidades às quais serve, conforme trata o documento, deve
ser pautada na valorização do compromisso ético. O texto reafirma que qualquer
ação da Biblioteca deve assegurar o benefício das comunidades usuárias de forma
ampla e irrestrita.

Mas, que implicações se apresentam na concretude do cotidiano das
bibliotecas em relação a busca de um acesso igualitário à informação? Qual a
capacidade de bibliotecários e outros profissionais da informação de interferir em
aspectos econômicos e políticos relativos aos sistemas de comunicação científica e
de acesso à informação? Como pautar a ação profissional com base em princípios
que fundamentam documentos como a “Declaração Universal dos Direitos
Humanos”? Percebe-se que tais questões envolvem uma complexidade de
elementos, o que torna mais complexa a busca de respostas para um  
comportamento que possa ser qualificado como ético. Nesta seara encontram-se
muito mais perguntas do que respostas. Mas isso é um indicativo de que a ética é
uma construção, de que as respostas, se existirem, deverão ser construídas, e ainda
assim, poderão ser refutadas sob o olhar minucioso e crítico do humano senciente e
pensante.

Na busca de respostas para um agir ético, atualmente se encontram
difundidas correntes filosóficas que buscam soluções para questões éticascontemporâneas. É o caso da ética da responsabilidade, quando pensar no futuro
das próximas gerações e do meio ambiente é um imperativo (PIVATTO, 2000).

De outro lado, abordagens como a de Emmanuel Levinas, de uma ética da
alteridade, traz presente o rosto do outro, o encontro com o outro (GIACOIA
JUNIOR, 2000). Esta proposta prevê a construção de uma ética a partir do
encontro com o outro, numa relação responsável. Nesta abordagem da ética, são
questionados conceitos em que se propõe quebrar o individualismo a partir do
respeito e do reconhecimento do outro. Como mostra Giacoia Junior (2000) a ética
da alteridade vai se realizar a partir da relação face-a-face destituída de
preconceitos e conceitos que tornam o outro um objeto e inundam as relações interpessoas
de mecanismos de exercício de poder.

Reconhecer o outro como um sujeito de direitos, é a base da “Declaração
Universal dos Direitos Humanos” proclamada em 1948 em Assembléia da ONU na
época composta por 48 países. Este conceito serve como base para a realização de
uma ética do discurso (DIAS, 1994). Na ética do discurso ganha espaço o conceito
de ação comunicativa, desenvolvido por Habermas, quando a participação
discursiva é um imperativo ético (HERRERO, 2000). Aqui é preciso estar
informado para poder participar discursivamente, ter garantido a liberdade de
expressão e assim construir soluções éticas pelo busca do consenso.

Embora algumas vezes a ética é muito mais invocada para preservar a si
próprio, para proteger-se, do que propriamente para tratar de pensar uma
construção ética que respeita o outro, que promove o bem maior para todos, é a
partir da consciência da própria ética como a possibilidade de participar das
soluções para os desafios morais, que há a possibilidade de se construir um agir
mais responsável. Então o desafio não é tornar a ética um lugar-comum, mas sim,
compreender a sua amplitude, para buscar e participar de soluções que sejam
menos destrutivas, mais conscientes, é mudar a visão de sua própria existência
enquanto ser humano. Singer (2000) coloca que uma abordagem ética da vida
altera nosso sentido de prioridades, o que leva a uma reflexão sobre o próprio
sentido da vida. Olhar para si, para os próprios ideais, para os motivos que nos
conduzem será uma constante, assim como, olhar para o entorno e se colocar como
um participante é se colocar numa perspectiva de construção ética.



3 A DEONTOLOGIA

A deontologia e a ética profissional servem de um lado, para controlar a
ação dos membros de um grupo profissional e, de outro lado, para orientar sua
conduta, colaborando para a formação de um grupo que se identifica e é
identificado por um modo de agir. Assim a sustentação de uma profissão depende
do conjunto de seus membros, dado, a conduta de cada um.

A deontologia diz respeito aos “deveres específicos do agir humano no
campo profissional”, e a dicologia, trata do “estudo dos direitos que a pessoa tem
ao exercer suas atividades” (CAMARGO, 1999, p. 32). Algumas vezes, a
deontologia aparece institucionalizada em códigos de conduta, códigos de
princípios, mas geralmente, nos chamados códigos de ética profissional. Tais
códigos podem ser proclamados e votados em assembléias de profissionais (no
âmbito das associações) ou lavrados por lei (no âmbito dos conselhos ou colégios),
como é o caso do “Código de Ética do Bibliotecário Brasileiro” (ZAMORA, 2003).

McGarry (1999) ressalta que a validade da ética profissional reside no papel
que a pessoa desempenha e na confiança depositada no “profissional”, que ganha
ênfase em sociedades tecnologicamente complexas nas quais, a aplicação de
conhecimento por especialistas tende a aumentar. Além disso, a conduta ética
profissional envolve os interesses do grupo, com base no interesse em garantir a
sobrevivência de cada um, os interesses de realização pessoal obtida por meio do
exercício profissional adequado, no sentido tanto de preservar, como de enobrecer
a si e à profissão. Esse contexto confere as discussões de ética profissional, uma
carga ideológica (FREIDSON, 1998). Para Souza (2001) tal carga ideológica,
reflete os interesses dos membros de uma profissão limitando as discussões éticas e
deontologicas em função, principalmente do modelo econômico vigente.

A ética compreende os fundamentos dos códigos deontológicos ou éticos
porque estuda e reflete a conduta. Tais códigos refletem o contexto de constituição
da própria profissão, o modo como ela se organiza como ela se situa em dada
sociedade, como seus membros se relacionam entre si e com os usuários de seus
serviços. Cabe citar aqui, que Souza (2001) destaca a existência de códigos
deontológicos e de códigos com conteúdos éticos. O autor mostra como o “Código
de Ética do Bibliotecário Brasileiro” e “Chileno” constituem propostas de
deontologia, enquanto o “Código dos Bibliotecários Norte-Americanos” apresenta
um texto com conteúdo mais voltado a ética.

Uma análise comparativa de códigos de ética de bibliotecários e outros
profissionais da informação, realizada por Pérez Pulido (2002), classifica os
códigos em quatro tipos: aspiracionais (enumeram princípios básicos);
educacionais (oferecem um conhecimento dos valores da profissão por meio de
comentários e interpretações); disciplinários (relacionam deveres baseados em
normas sob supervisão de comitês com a função de aplicar normas e sanções); e  
por fim, os códigos mistos (englobam mais de uma das tipologias citadas).
Compreender essas diferentes formas de tratar a ética exigiria um aprofundamento
da constituição da biblioteconomia em diferentes países, analisando tanto o
contexto de cada nação, bem como, elementos que interferem na organização da
própria profissão.

Para a discussão proposta neste texto, vale notar que diante destas
categorizações, têm-se que o “Código de Ética do Bibliotecário Brasileiro” é
qualificado como disciplinar (PÉREZ PULIDO, 2002) e com conteúdos
propriamente deontológicos (SOUZA, 2001).

No Brasil, a institucionalização da ética bibliotecária começa a ganhar forma
nos anos sessenta, quando é apresentada a proposta de implantação de um “Código
de Ética do Bibliotecário Brasileiro” no III Congresso Brasileiro de
Biblioteconomia e Documentação (CBBD) (CASTRO, 2000). Tal Código foi
aprovado a partir de consulta às associações locais e escolas de biblioteconomia em
plenária em 1963 no IV CBBD. A proposta inicial foi apresentada por Lauro
Russo, sendo que durante a IV edição do CBBD, Volene Cardim, da Associação
Pernambucana de Bibliotecários, apresentou uma proposta de criação de uma
disciplina nos cursos de biblioteconomia que tratasse da ética profissional, como
mostra Castro (2000). A proposta evidenciava uma preocupação com princípios
morais da profissão bibliotecária, sua relação com autoridades, colegas, instituições
e principalmente com o público. Conforme Castro (2000) a proposta foi polêmica,
sendo aderida somente pelos cursos de Biblioteconomia das cidades paulistas de
Campinas e São Carlos.

O “Código de Ética do Bibliotecário Brasileiro” tem origem no âmbito da
Federação Brasileira das Associações de Bibliotecários (FEBAB), mas passa aos
auspícios do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) sofrendo as primeiras
alterações em 1966 (CASTRO, 2000). É no âmbito do Conselho (colégio) que o
Código ganha força de lei, com uma preocupação maior, de controlar o exercício
ilegal da profissão. Conforme trabalho recente, após 15 anos de criação, o “Código
de Ética do Bibliotecário Brasileiro” já passou por quatro reformulações
(CUARTAS, 2002).

Em uma sociedade “tecnológica complexa”, como diz McGarry (1999), ocaráter legal do “Código de Ética do Bibliotecário Brasileiro” faz jus às constantes
necessidades de reformulação, dado que às condições materiais e culturais
humanas estão em constante mudança, o que implica em desafios morais, também
mutáveis.


4 AS ASSOCIAÇÕES PROFISSIONAIS

Qual o papel das associações profissionais em uma sociedade na qual parece
imperar a lógica da competitividade e do individualismo? Conforme Freidson
(1998) a partir do momento em que um grupo de pessoas que realizam um mesmo
tipo de trabalho passa a formar um grupo, este se incorpora num empreendimento
organizado e com isso, é imerso num contexto, social, político e econômico.

As corporações profissionais integram um quadro de elementos que
configuram uma ocupação organizada. Conforme Freidson (1998), são as
corporações que vão, mais diretamente, buscar negociar com consumidores de seu
trabalho (o Estado, por exemplo), organizar instituições de recrutamento,
treinamento e colocação de empregados num mercado. Em outros termos, as
corporações profissionais vão buscar a mobilidade ascendente de seus membros,
melhores salários, melhoria das condições de trabalho, significando autonomia por
meio do esforço coletivo, representado pela ação das entidades (HOVEKAMP,
1997).

Dentre as corporações profissionais estão as associações e os sindicatos. As
associações colocam em primeiro lugar a autonomia e independência no trabalho,
enquanto os sindicatos evidenciam os benefícios privados de seus membros
(ALEXANDRE, 1980 apud HOVEKAMP, 1997). Conforme Hovekamp (1997),
dentre os objetivos centrais das associações, está a ênfase nos bens públicos. Tal
ênfase é um modo de melhorar a imagem da profissão mostrando o valor e
importância dos seus membros para a sociedade em função da aplicação de seus
conhecimentos e habilidades especiais. Para a autora citada, na área da
biblioteconomia, no que diz respeito ao chamado “bem público” se tratam de
questões como, acesso à informação, liberdade intelectual, direitos autorais,
instrução, conhecimento e avanço tecnológico. Essas questões compreendem,
como já mencionado anteriormente, os fundamentos dos códigos de ética dos
profissionais bibliotecários e outros profissionais da informação, conforme Pérez
Pulido (2002).

Além disso, as associações buscam promover uma interação entre seus
membros estabelecendo uma unidade cultural da profissão, institucionalizando
códigos de contatos, padrões educacionais e de desempenho, a defesa de mudanças
e inovações (HOVEKAMP, 1997). As associações estimulam seus membros a
participar de comunidades, painéis, atividades de força-tarefa e grupos de estudo a
partir de características comuns de seus membros (GALASKIEWICZ, 1985 apud
HOVEKAMP, 1997).

Quando uma ocupação alcança a chamada autonomia, com maior
capacidade de controlar a realização e o modo de fazer um tipo de trabalho, de
controlar inclusive a oferta de trabalho que entra no mercado e a procura do
mesmo, existem maiores condições para o desenvolvimento de uma ética que  
favoreça a manutenção e o fortalecimento do grupo e da profissão (FREIDSON,
1998). Freidson (1998) trata da relação entre a realização de uma ética e o papel
das corporações no espaço da autonomia. Essa relação se verifica, principalmente,
quando há um abrigo de mercado, torna-se atrativo e viável, para os membros da
sociedade, investir tempo e dinheiro em um treinamento para posteriormente
aplicar os conhecimentos obtidos por um longo período de tempo, colaborando
para que a ocupação escolhida torne-se um “interesse central de vida” (DUBIN et
al, 1976 apud FREIDSON, 1998, p. 128). Esse contexto leva para a formação de
uma identidade dos membros da ocupação, permitindo a formação de uma
“comunidade ocupacional” (SALAMAN, 1974 apud FREIDSON, 1998, p. 128).
Colocando em outros termos, quando um indivíduo busca uma profissão, na qual
investirá um tempo para sua formação, e posteriormente terá condições de
desenvolver um trabalho que lhe traga sustentação financeira é facilitado o
processo de comprometimento com a realização do trabalho, bem como, a
solidariedade na ação do grupo.

Moreira e Rego (2004) mostram que a origem das ordens, como dos
engenheiros e advogados, pode ser vista na Idade Média. Os autores colocam que
diferentes evidencias levam a crer que as afinidades naturais de uma profissão
levaram oficiais a estabelecer pactos de assistência mútua (na velhice, na doença,
na invalidez, na pobreza e em outras condições na quais havia uma fragilidade de
um oficial) e de defesa comum, o que tem levado possivelmente ao nascimento das
primeiras autoridades corporativas. Nesse meio, de defesa e assistência,
aconteciam também, jantares de confraternização, laços religiosos eram comuns,
tanto que as diferentes corporações elegiam um santo padroeiro.

Os autores supra-citados destacam uma diferença entre espírito corporativo
e interesses corporativos. Moreira e Rego (2004) salientam que não se trata de
excluir os interesses, mas sim de promover o respeito de regras e princípios que
colaborem para organizar a vida em sociedade, dado que a função das corporações
incluí não só a regulação e controle do exercício profissional, mas também, o
exercício responsável da profissão e sua função social. Reforçando as
considerações dos autores, embora as associações profissionais sejam um espaço
minado de interesses, nelas ocorrem laços de solidariedade, de ajuda mútua, de
cooperação e de defesa de causas sociais, o que tende a beneficiar não apenas os
profissionais, mas a sociedade de um modo geral.

5 A PARTICIPAÇÃO DO PROFISSIONAL

Por que participar das associações? A visibilidade da profissão depende da
ação das associações? Há uma relação entre a pouca visibilidade de uma profissão
e os salários pagos a seus membros? Qual é o efetivo envolvimento dos  
profissionais em educação continuada, em trabalho cooperativo, com publicação de
textos que relatam experiências de trabalho, bem como, experiências reflexivas ou
teóricas (científicas) ou quaisquer outras ações que colaborem para o
fortalecimento do grupo?

Ainda que nas ações das associações predomine a defesa do bem público e o
ideal do serviço, o que tem motivado profissionais a integrar as associações têm
sido interesses privados atendidos pelas associações como: disseminação de
informações por meio de revistas, boletins, listas de discussão, eventos
profissionais e cursos (HOVEKAMP, 1997). Conforme mostrou um estudo
realizado na Califórnia com bibliotecários universitários, estes apontaram como
motivos centrais para participação nas associações, trabalho em rede com outras
profissões e assinatura de revistas, que permitem o acompanhamento das
novidades da área (ANDERSON et al, 1992 apud HOVEKAMP, 1997).

Se de um lado, é no espaço associativo que as pessoas vão se encontrar,
trocar idéias, resolver conflitos e encontrar soluções para problemas comuns,
também é nesse ambiente que haverá espaço para a publicação de boletins
informativos, revistas, realização de cursos e eventos permitindo assim a educação
continuada. De outro lado, o comprometimento com a realização de um bom
trabalho, a excelência de conhecimentos, competências e técnicas interferem na
autonomia, reflexo de um grupo em que a ação individual integra a ação do grupo.
Desse modo, as associações não devem ser compreendidas como a ação de um
grupo de representantes, se assim for, as ações serão fragmentadas, a categoria não
será reconhecida por uma identidade forte. É a partir de ações coletivas pautadas na
compreensão do conjunto de elementos que compõe o cenário de uma sociedade
profissionalista.

É muito comum, perceber saídas individualistas para problemas relativos
a questões profissionais. A expressão “cada um faz a sua parte” soa como um
chavão, seja para propagar o voluntariado, seja para justificar a baixa adesão emações coletivas. É lógico, que mesmo em uma ação coletiva, cada um fará uma
parte, a questão é: a parte que um dos membros faz está conectada com o conjunto
ou com o grupo do qual este indivíduo participa ou se identifica? Ela serve para
fortalece-lo ou para fragmenta-lo? Independente da ação ou dos esforços que cada
profissional realiza é importante que essas ações ou esforços sejam ações que
reflitam o pensamento do grupo, o anseio do grupo para que haja uma sintonia de
ações. De outra forma, a saída individual é suicida quando não representa o grupo.

E a ética? Na saída individual a ética também será de imperativo
individualista prejudicando a possibilidade de realização de uma ética que é
construção, que é consciência na ação, que é situar-se no seu contexto, que é
participar, que é objetivar o bem maior de todos.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de qualquer busca de uma ética institucionalizada em um código, é
preciso ter clareza do que representa a profissão na sociedade, o que é fazer parte
de um grupo profissional. Sem essa compreensão, de que cada membro constrói a
ação do grupo, não haverá um fortalecimento do próprio grupo, dificultará a
discussão de uma ética. A ética começa na maneira como eu (como membro de um
grupo profissional) me relaciono com o grupo no qual participo e me identifico,
como me relaciono com os usuários dos serviços, como eu vejo a informação na
sociedade, como eu me posiciono em relação aos rumos que os usos e fluxos da
informação vem tomando. Esse se posicionar, pode e deve acontecer a partir de
ações coletivas, por meio de associações profissionais, acadêmicas, voluntariado,
dado que como mostra Souza (2002), em países em que há uma mínima
democracia política ou uma razoável cidadania, coletivos sócio-profissionais
também são governo, mesmo que limitadamente podem exercer sua capacidade de
embate e negociação.

NOTAS

1 Evento realizado na Biblioteca Mário de Andrade promovido pelo Conselho
Regional de Biblioteconomia – 8ª Região – em 4 de setembro de 2004.
2 Trecho de entrevista concedida por Henry Spira à Peter Singer retirada de:
SINGER, Peter. Uma vida significativa. In: Vida ética. Rio de Janeiro: Ediouro,
2002, p. 348-357


REFERÊNCIAS

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo : Martins Fontes, 1998. p.

380.
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ETHICS AND DEONTOLOGY : THE PROFISSIONAL ASSOCIATIONS ROLE
Abstract: It treats about ethics and deontology in a librarianship scope. It shows
the association role in the profession strengthening. It highlights the professional
associations as privileged space for ethical reflection and deontology. It shows the
problem about the importance of the librarian professional participations in
representative class entities in a perspective of responsible ethical construction. It
includes showing the importance in acting ethically in respect to the other and
constructing the consensus as a way to minimize the trend to individualist actions
so spread present society.
Keywords: Librarianship Ethics; Librarianship Deontology; Professional-
Librarian Associations.

Francisca Rasche

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da
Universidade Federal de Santa Catarina – Florianópolis - Brasil
E-mail: franrasche@ced.ufsc.br, fran_rasche@yahoo.com.

Sobre ética e associações de bibliotecários

Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, v.10, n.2, p . 184 175-188 , jan./dez., 2005

Sobre o programa Improving literacy through school libraries, do Depto de Educação USA

No site abaixo, poderemos analisar as politicas publicas americanas para promover a literacia usando as bibliotecas escolares...

http://www.ed.gov/programs/lsl/index.html

O artigo sobre Obama e as bibliotecas está no site abaixo

http://www.seguilaflecha.com/articles_13495_Obama,-la-lectura-y-las-bibliotecas.html

Obama e o compromisso com a Biblioteca Escolar

En el año 2005, cuando todavía era senador demócrata, el Presidente electo de los Estados Unidos, Barack Obama, pronunció un discurso ante la Amercian Library Association, Bound to the word, "vinculado a la palabra", que supone uno de los alegatos políticos más concluyentes y comprometidos en favor de la lectura, la educación pública y las bibliotecas que haya podido leer o escuchar en los últimos años, un análisis perentorio que, despojado de la retórica patriótica o religiosa, obligatoria en norteamérica, aboga por una acción concertada y decidida de los poderes públicos para aminorar mediante la educación en la escuela pública, los programas de alfabetización y la promoción de la lectura y el contacto con los libros las desigualdades sociales que están en la base del fracaso o del éxito escolar, del fracaso o el éxito personal y profesional.


El discurso, pronunciado ahora hace algo más de tres años, gira en torno a tres grandes ideas: la promoción de la lectura como eje básico en torno al cual gira el desarrollo integral del ser humano; el papel que las bibliotecas, las escuelas, las familias y el Estado tienen en la consecución de ese objetivo; la caracterización de la biblioteca como espacio de conocimientos y libertades donde debe fraguarse el intelecto crítico de cada lector.



"Porque creo que si deseamos proporcionar a nuestros hijos las mejores posibilidades en la vida, si queremos abrirles las puertas a diversas oportunidades mientras son jóvenes y enseñarles las competencias que necesitarán para tener éxito más adelante, entonces una de nuestras más altas responsabilidades como ciudadanos, como educadores y como padres será asegurarnos de que cada niño norteamericano pueda leer, y pueda leer bien. La alfabetización es la divisa más fundamental en la economía del conocimiento en la que hoy vivimos". "La lectura" -insiste y remacha algo más adelante, sin titubeo alguno-, "es la competencia fundamental que hace el resto del aprendizaje posible, desde los problemas complejos con palabras y el significado de nuestra historia hasta los descubrimientos científicos y la excelencia tecnológica. Y, a propósito, es lo que se requieren para hacernos verdaderos ciudadanos", porque es cierto que hay que añadir la dimensión política de la lectura a su dimensión instrumental.



Una de las primeras decisiones que deberá ratificar su posición teórica será la de la cantidad destinada a financiar programas como el Improving Literacy through School Libraries, versión norteamericana de nuestras inexistentes bibliotecas escolares, fundamento indiscutible de la alfabetización infantil cuando la familia, sobre todo, no está en condiciones de proporcionar a sus hijos el capital cultural de partida necesario para que su trato con los libros tenga la familiaridad del que disfrutan los hijos de clases más acomodadas. Si hemos de creer en sus intenciones, vale la pena leer sus palabras: "los niños procedentes de familias con bajos salarios obtienen notas 27 puntos por debajo de la media de competencia lectora mientras que estudiantes de familias más acomodadas obtienen puntuaciones 15 veces por encima a la media. Mientras que solamente uno de cada doce jóvenes blancos de 17 años posee la competencia lectora suficiente para coger un periódico y entender la sección de ciencia, para los hispanos, la cifra es de 1 entre 50 y entre los afroamericanos de 1 entre 100".