quinta-feira, março 02, 2006

32 livros e um misterio -Elio Gasperi

Reapareceu na Biblioteca Mário de Andrade um expediente de três folhas que deveria ser exposto nas principais casas de livros do país. Foi achado em 2001, mas retornara ao arquivo carregando de volta seu mistério. Uma linda história, de final triste. No dia 6 de abril de 1964, 48 horas depois da chegada do presidente deposto João Goulart a Montevidéu, uma pessoa entrou na Biblioteca Mário de Andrade, no centro de São Paulo. Carregava duas maletas e deixou-as na portaria. Ficaram lá durante 20 dias, até que um zelador as abriu. Continham 32 livros. Naqueles dias, as forças de ditadura apreendiam livros e filmes, fechavam rádios e jornais. Muita gente jogou parte de sua biblioteca no lixo, mas o personagem das maletas teve uma idéia que encantaria o escritor Jorge Luís Borges. Não tomou medo de seus livros. Sentindo que não podia mais guardá-los, decidiu deixá-los onde alguém cuidasse deles. Abandonou-os na portaria da maior biblioteca pública da cidade e voltou para casa. Nada se sabe da figura. Lia em italiano, espanhol e inglês. Oito obras de Marx e Lênin, bem como dois exemplares da revista "Problemas da Paz e do Socialismo", informam que era comunista. Um livro de Andrei Zhdanov, o comissário cultural de Stalin, sugere que tivesse mais de 50 anos. Gostava de cinema, pois tinha dois boletins dos "Amigos da Cinemateca", de Dante Ancona Lopes. Um volume de O Direito Soviético, de Benjamin de Oliveira Filho, indica que talvez fosse advogado. Parece ter conservado seus romances russos, pois abandonou apenas os volumes intitulados Literatura Soviética. O zelador encarregado da portaria (Salvador Finotti) comunicou o achado das maletas e recebeu ordens do chefe da Divisão Cultural 2 (Francisco José de Azevedo) para listar as obras, juntando uma cópia à biblioteca abandonada. Final triste: o atual diretor da Mário de Andrade, o advogado Luís Francisco da Silva Carvalho Filho, pediu que se buscasse no catálogo da Casa os volumes sobreviventes. Não os há. O comunista de 1964 certamente já se foi. Felizmente, sem saber que não adiantou nada. Restou só a história de sua paixão.
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