quarta-feira, novembro 22, 2006

ARTIGO DO POVOA SEMANARIO (www.povoasemanario.pt)

atenção para a escrita portuguesa...
A importância de brincar a ler

A leitura é uma actividade bastante importante para a formação do ser humano. É essencial que este gosto se desenvolva nas crianças o mais cedo possível. Decorreu na Biblioteca Municipal da Póvoa de Varzim uma acção de formação, ao longo de dois dias, que teve como principal objectivo ensinar os adultos a atraírem os mais novos para este hábito saudável

A acção de formação "Portal para a descoberta – literatura para crianças e jovens" teve como propósito ensinar estratégias para incutir o gosto pela leitura na infância e aprofundar o conhecimento de autores e ilustradores nacionais e estrangeiros.
A sessão foi conduzida por Leonor Riscado, docente da Escola Superior de Educação de Coimbra, e inseriu-se no Programa de Itinerâncias Culturais, do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB), dirigindo-se a professores do ensino básico, bibliotecários e animadores sócio-culturais, que têm em comum o facto de lidarem com crianças de diferentes faixas etárias.
Leonor Riscado afirmou, em entrevista ao Póvoa Semanário, que esta acção de formação é indispensável para os participantes, pois todos são "intermediários de um conjunto de informações sobre os livros" sendo os seus papéis essenciais para a "promoção da leitura junto das crianças".
A literatura infantil é destinada às crianças entre os dois e os dez anos de idade. Qualquer obra infantil precisa de ser fácil e compreensível para todas as crianças que a leiam, quer sozinhas, quer com a ajuda de uma pessoa mais velha.
A docente considera essencial que a criança seja estimulada para a leitura, pelo que todas as pessoas que a rodeiam, desde os familiares aos professores e educadores, devem "promover a utilização do livro desde a mais tenra infância", explicando que a "leitura infantil pode fazer-se de várias formas" com recurso ao tacto, à visão e ao paladar, daí que também se deva "promover o prazer de ler, antes de saber ler".
Os pequenos leitores gostam de ver imagens coloridas e começam a conhecer os autores e ilustradores. A pouco e pouco, começam a ganhar o gosto pela leitura e pelo som das palavras. O livro apresenta-se perante elas como uma "caixinha de surpresas" ou um "mapa de tesouros".
Leonor disse que o IPLB procura, a partir do plano nacional de leitura, "alertar os mediadores para a necessidade de conhecerem os livros e saberem avaliar a qualidade dos mesmos, nomeadamente em termos linguísticos, literários e estéticos" porque, completou a docente, o "livro é um objecto muito particular" e tanto pode ser "aliciante" como "perigoso, dependendo da forma como se escolhe e se utilize".
O adulto que tenta incutir nos mais novos o gosto pelos livros "tem de ser um leitor convicto", pois, como explicou a professora, a demonstração da "convicção à criança desperta nela a curiosidade" e aquilo que começa por ser "um brinquedo entre outros" revela-se "um brinquedo muito mais completo que os outros".
Para que esta iniciativa tenha sucesso, a especialista em educação aconselha aos pais e restantes intervenientes a "escolha de bons ilustradores", porque "a criança é particularmente observadora do pormenor" e toma nota da dedicação de mais tempo por parte dos pais e professores à arte de "contar histórias". Assim, adiantou Leonor Riscado, à parte destas acções destinadas aos profissionais de ensino básico, escolas superiores de educação promovem iniciativas deste tipo para os pais.

Angélica Santos

terça-feira, novembro 21, 2006

A Biblioteca Escolar = Tecnologia da Emoção

Graça Maria Fragoso

A história da biblioteca sempre esteve relacionada com a magia e o mistério. No livro de Umberto Eco, O nome da rosa, as páginas envenenadas da obra Poética, de Aristóteles, conduzem à morte diversos monges curiosos. Assim, o ambiente onde se lê permanece ligado ao labirinto. Descobrir como chegar ao livro, tirando-lhe a venda enigmática da morte constitui a essência do próprio espaço "biblioteca".
Jorge Luis Borges cria um hexaedro e coloca os livros nesse lugar, cujos prismas equivalem à possibilidade múltipla das leituras. Também para Borges, a biblioteca possui em si a potencialidade do mágico. Em algum lugar dessa fabulosa arquitetura, existe uma porção diabolicamente divina ou uma chave que abre a porta do prazer.
A partir dessas considerações literárias, inicia-se uma discussão interessante em torno da paixão e da técnica, incorporada à biblioteca. Esses, recintos, tão trabalhado pelos magos escritores, não costuma ser bem compreendido pelos elementos que nele atuam. Entrando na sala, vemos um funcionário debruçado sobre a poeira do tempo, sem conseguir retirar dela o fascínio secular.
Empregado sem vocação, esse falso bibliotecário é o simulacro do mago, a imitação do poder que poderia emanar de suas faces pálidas. Às vezes, somente as sombras das personagens circulam por ali, solicitando em silêncio o favor de um toque, algo que lhes dê vida e as transforme em seres. Entretanto, o livro que deveria andar de mão em mão jaz sobre as mesas ou nas prateleiras, incapaz de reavivar a chama de sua confecção. Ficam mortos o autor, a obra, o leitor , a biblioteca. Túmulos de almas, cemitérios da criatividade. A história não acontece e o real permanece duro, porque duro é o olhar sem o gozo da leitura.
Suponhamos que, certo dia, penetre na escuridão um leitor destemido. Um leitor quixotesco, desses que não temem moinhos, nem a tentação das sereias. Galopando no Rocinante, de repente o leitor passa ao limite de uma outra leitura (um livro que esteja lendo) e encaminha-se vertiginosamente para o interior da biblioteca. "Quem é você, intruso?" interroga-lhe o morcego guardião. "A que vem e por que quer retirar os sete véus que ocultam o saber? "Venho conhecer o segredo de nunca haver segredos. Venho libertar você e o mundo de todas as prisões. Deixe-me entrar nessa sala e descobrirei a máquina do mundo que os escritores descrevem. Depois de lhe mostrar um pouco da fantasia, poderemos viver uma existência muito mais feliz. Entre o livro e nos, a ilusão se instaurará e diminuirá a força do absoluto. A verdade em mil lendas e letras".
Suponhamos que esse leitor consiga romper as barreiras da velha biblioteca e leia. "Será uma vez em que o morcego voará num canto e a biblioteca será povoada por fadas e duendes e crianças pequenas e velhos de longas barbas".
Depois, quando um ancião recontar essa história, haverá um marciano que chega do futuro. Todos verão descer um disco sobre a sala, mudando o clima do ambiente austero. O astronauta trará do espaço os discos eletrônicos.Mil fitas de acetato com casos de cristal. A um toque de dedos, instalará as TVs e o computador do ano imaginável. A um canto, um bebê de fraldas e de chupeta acionará a impressora e imprimirá o seu próprio texto.
O que faz desse sonho um conto encantador? É a paixão em todos os leitores. A tecnologia, acoplada ao sentimento, faz coisas do outro mundo na biblioteca. E porque há sentimento, não há mais preconceitos. O jovem e o velhinho convivem nessas páginas de um livro que pensamos escrever. Convivem juntamente o cão o gato e o rato, saídos de um video-game .Alice, de súbito irrompe, correndo entre as estantes. Não se sabe o que é livro e o que é o imaginário. Escritores /leitores, leitores/ escritores inventam o país no jogo do contente.
Isso é a biblioteca e seus deslumbramentos! Personagens e gente, sem nenhuma diferença, misturando o concreto e o abstrato, a rosa perfumada ao contorno do lápis. Plena de rebuliço e vozes, sem avisos nem proibições, essa biblioteca também é sem paredes. Capta energias, estrelas telepáticas pelo fio do telefone. Merlim manda dizer na tela de um monitor que o rei Arthur venceu a guerra e está para chegar. "Quem sabe da notícia?" -pergunta o camundongo. E uma menina diz:- "Foi um disquete anônimo."
Quão distante ainda estamos da biblioteca, como muitos a têm imaginado! Geralmente silenciosas e cheias de bilhetes: Não converse. Ponha os livros no lugar. Não deixe suas marcas nas folhas. Psiu...Psiu...Psiuuu.
Essas tristes salinhas de ler mastigam o mistério e o engolem num instante. No estômago de mentira desses preguiçosos, há uma moça gentil, vestida de cetins, ansiosa por buscar a alegria, lá fora. No ventre desses monstros que fingem algum sonho, há um monte de estudantes bem comportados. No frio do salão, há vários professores. Querem tirar xerox da face da princesa. Querem copiar um trecho de comédia, para passar no quadro ou dar um longo ditado. Querem destacar um parágrafo das fadas, a fim de macaquear a sintaxe lusíada. E ensinam a gramática com verso de Virgílio. Vendilhões do templo!
Na viagem de Pinóquio, também ele foi engolido por uma dessas baleias, Gepetto pôs fogo na sua barriga e a explodiu, enchendo o ar de fumaça. Felizmente, a fada madrinha de Pinóquio era moça moderninha percebeu, via Telex , o perigo do afilhado e , no fim , deu tudo certo. A casa de Gepetto juntou a tecnologia e o afeto, vendendo cucos muito futurólogos. Por que também não incorporamos à biblioteca essas fadas prodigiosas, derivadas das telinhas?
Antigamente - vamos a outra história - havia muitas bruxas, vampiros incontáveis. Havia demoníacos filhos da noite e esqueletos que vinham perturbar o sono. Todo o mundo , no caso, sofria muitos medos. Nossas vovós não dormiam, com o ruído das correntes. As almas penadas resvalavam pelos berços e levavam para o limbo os doentinhos. Assombrações, ah, quantos elementos! Fugiam do abismo e pulavam paras as sombras.
Dizem até que os lampiões se apagavam e as ruas assopravam o bafo das feiticeira. Oh, tempo pavoroso, oh, tempo sem saída! Esta história tem happy end. Numa cidade muito além daqui, morava um moço que era um príncipe no estudo. Passava as noites todas lendo e se informando, para um dia, derrotar a noite. O nome desse jovem? Era Thomas Edson e ele inventou a luz elétrica. E aí, adeus, monstruosos entes do outro mundo, que vinham roubar almas de meninos! Nunca mais as vovós se assombrariam e nossos pais poderiam ler até o Edgar Alan Poe, sem fazer xixi na cama. Hoje, livres dos monstros horrendos da escuridão, podemos correr pelas ruas sob holofotes, dançar nas pistas em plena meia-noite. Vemos o sol nascer, duvidoso do que vê : a tecnologia não é só o tema da história. É a realidade com que agora convivemos.
Um simples movimento de olhos e percebemos o progresso: luzes faíscam nas avenidas; botões aceleram a multiplicação das imagens; corpos energéticos se intercomunicam, criando novos conceitos de ciência, descobrindo campos gravitacionais. Parece-nos que, de uns tempos para cá, as nações vêm caminhando para a era aquariana e já sentimos no ar os cheiros da fraternidade. Dentro em pouco, a tecnologia se aperceberá de que deve se juntar à paixão, visando à paz dos homens.
Talvez em tudo o que falamos perpasse o fio da criatividade, transformando até as palavras em varas de condão. Se a filosofia se reúne à técnica ; se não existe mais distinção de gênero literário? Se a física é tão mágica quanto as ficções, como pode a biblioteca ficar alheia a tudo, permanecer estagnada e distante da transformação? Como pode a biblioteca ficar abandonada aos falsos leitores que mumificam a letra? Como podem os professores fechar a leitura em pedagogias que se prendem às ideologias mantenedoras do poder? É hora de romper com a dominação sobre os olhos e permitir ao leitor enxergar o que quiser.
E seria possível ao bibliotecária promover a produção de textos, incentivando o leitor a recriar o que vive? Sim, através da incorporação dos meios de comunicação, no recinto da biblioteca. Computadores, fitas magnéticas, filmes, video-games, CD-ROM tudo é objeto de leitura a descortinar os planos da fantasia.
Mas, uma vez presentes esses recursos eletrônicos, é necessário cuidar das mãos que irão manipulá-los. Sobre o teclado de um computador, deve tocar a seda , o carinho da fada que pensa em seu Pinóquio. Sobre o programador de um filme, deve debruçar-se um coração e transmitir à tela o calor do tique-taque. Biblioteca com vida, falada "Biloteca" que cruzam prateleiras e pedem para subir nas torres de papel. Paixão e técnica, ligação perfeita para que se inicie o século de amor.
Não pode, portanto, a biblioteca estar longe do mistério. Dos dramas . Das comédias. Das tragédias. Não pode estar longe do progresso, que se mistura às fábulas, pelo milagre da ciência. Vivemos tantos milagres , fáceis de se acionar com os dedos, que nem percebemos sua importância. E a biblioteca, por mais que o desejamos, continua parada, sem buscar o progresso. As favelas estão, esperando por projetos. Estamos tentando subir o morro e deixar o livro falar a linguagem dos pobres e carentes. Trazemos os alunos para a biblioteca e criamos uma biblioteca dentro da outra, como há livros dentro de livros. Nessa experiência, o aluno cria por um tempo que pode ser eterno na biblioteca. Por uma sala onde entramos todas as manhãs, passam gênios inventando a luz do dia, escritores fazendo outras bibliotecas.
Os bibliotecários, somos bruxos e fadas, motivos até de lendas escolares. Lutamos por tirar da sala os burladores, aqueles que pertubam o ato da leitura.(Ah, esses educadores xeroquistas).Nosso trabalho é árduo, porque temos por missão fazer o trânsito entre leitores e os livros. Cabe-nos a tarefa miraculosa de tornar realidade as ficções, de tornar ficções as realidades. No ambiente sem fim por onde andamos, não há pouco de nada, nem economia da fé de bem servir. As emoções da leitura, é claro.

Referências Bibliográficas
BORGES, Jorge Luis .Ficções .A biblioteca de Babel.
CERVANTES, Miguel de .D.Quixote. Paris : Rouge et or , 1968
CÂNFORA , Lucino . A biblioteca desaparecia. São Paulo : Companhia das Letras, 1980. 195p
ECO , Umberto . O nome da Rosa.
LOBATO , Monteiro . Fábulas . São Paulo: Brasiliense, 1973

* Graça Maria Fragoso é bibliotecária Coordenadora da biblioteca do Colégio Santa Dorotéia, diretora da biblioteca do Colégio Edna Roriz, e Consultora da TV Futura.

Este artigo foi publicado na revista Presença Pedagógica. v.2, n.9, Mai/Jun 1996, p.52-57.