terça-feira, dezembro 26, 2006

Jim Dodge cria uma pequena e ótima fábula sobre ciclo da vida

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Fup" é aquele tipo de livro que pode mudar a vida de alguém. Para nossa imensa sorte não são poucos os livros que têm essa capacidade. Ocorre, porém, que com "Fup" as mudanças vêm mais rápidas, cerca de uma hora depois de iniciada a leitura. O livro é pequeno em volume, mas ocupa um gigantesco espaço no coração transformado dos leitores. É o que Marçal Aquino afirma no prefácio a essa oportuna nova edição. "Fup" é daqueles livros que "não estão no cânone. E não estão nem aí", diz, certamente atribuindo à novela de Jim Dodge algo daquela voltagem zen de certas obras artísticas dos anos 60, período em que filosofias orientais (acrescidas de outros temperos) espanaram parafusos de cabeças ocidentais em profusão. Publicado em 1983 pelo californiano Dodge (nascido em 1945), o livro está menos para "beat" tardio, entretanto, e mais próximo do surrealismo "hippie" de Jim Harrison, Richard Brautigan e Gary Snyder, com suas fábulas amorais e libertárias. Vovô Jake é um beberrão viciado em jogo e rabugento que ouve de um índio moribundo a receita de uísque que mudaria sua vida, ou melhor, que estenderia sua vida, já que ele confere ao "Velho Sussurro da Morte" o poder de tornar imortal quem o bebe. Trânsfuga da sociedade e de numerosos casamentos, Jake de repente vê-se obrigado a criar Miúdo, o neto órfão que não sabia ter. E é o que ele faz, comprando um rancho e levando o garoto para lá. Para compensar a dieta "insuportável" do bebê, Vovô Jake acrescenta algumas doses de seu estranho uísque à mamadeira do neto. Resultado: Miúdo torna-se um adulto de 1,92 m e 155 kg, obcecado em construir cercas. Assim segue a rotina rural dos dois até surgir Fup, uma pata gordíssima e desastrada que recusa-se a voar, e o Cerra-Dente, um porco-do-mato que diverte-se em destruir as cercas de Miúdo, tornando-se seu nêmesis. Em seu desenvolvimento circular entre os princípios de vida e de morte, "Fup" trata disso, de como estamos presos a esses ciclos com apenas início e fim definidos e todo o resto em aberto, prontinho para ser preenchido. Dodge criou uma história imprescindível, plena em ressonâncias poéticas e que em muito tem a ver com esses finais de anos em que tudo termina e ao mesmo tempo se renova. O que ele procura plantar é a idéia de que a vida é selvagem e assim deve permanecer. Ele resume no seguinte verso: "Evite morar em qualquer lugar onde não dê pra mijar da porta da frente".

JOCA REINERS TERRON é autor de "Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da Palavra)
FUP Autor: Jim Dodge Tradução: Melanie Laterman Editora: José Olympio Quanto: R$ 22 (98 págs.)