quarta-feira, agosto 22, 2007

Jovem gosta e quer ler, mas acesso aos livros é difícil

Julia Dietrich

(Portal Aprendiz)




"Eu gosto muito de ler, mas a biblioteca da minha escola está sempre fechada. Só podemos entrar se a professora reservar a sala, o que nunca acontece". A afirmação é de Everton Dias, que aos treze anos não recebe autorização da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Felício Pagliuso, em São Paulo (SP), para ter acesso aos livros, revistas e gibis da biblioteca da instituição.

Infelizmente, o caso não é exceção. Segundo a Associação dos Professores do Estado de São Paulo (Apeoesp), em recorte do censo escolar 2006 realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese), apenas 15% das mais de cinco mil escolas estaduais paulistas têm bibliotecas e, na maioria dos casos, o acesso é controlado. "É fundamental que as bibliotecas fiquem abertas e que tenham profissionais capacitados responsáveis pela organização do material e auxílio aos alunos", conta o presidente da associação, Carlos Ramiro de Castro. De acordo com a mesma pesquisa, 73% das escolas públicas do estado não têm bibliotecários, funcionando apenas como depósito de livros ou salas de leitura.

Em contrapartida, Juliana de Ferran Cremone, de 11 anos, que estuda em escola particular bilíngüe de Curitiba (PR), não só tem acesso livre e irrestrito aos livros na escola, como busca bibliotecas públicas para satisfazer sua enorme vontade de ler. "Acho que meu gosto pela literatura vem muito do incentivo da minha mãe e da minha bisa-avó que me dão livros e sempre insistiram que eu lesse bastante", conta, associando seu hábito também ao fato de ser aluna da rede particular de ensino.

Para o presidente da Apeoesp, o governo tem absoluta responsabilidade na oferta da literatura aos jovens. "Se não agirmos rapidamente, a distância entre os jovens que saem das escolas públicas em relação ao das particulares será cada vez maior", observa, lembrando que o gosto pela leitura está ligado ao incentivo que a família dá. "Como o pai da escola pública não tem tempo para encorajar seus filhos porque está trabalhando ou como ele mesmo não teve acesso, forma-se um ciclo ininterrupto", analisa.

Em média, os livros infanto-juvenis não saem por menos de R$15,00. "É mais do que o preço, é a falta do culto à leitura presente em toda sociedade, do âmbito familiar à estrutura das escolas", indica Castro. Porém, em alguns casos, por razões individuais, a vontade de ler rompe as barreiras financeiras. "Tenho alguns gibis e já reli cada um pelo menos três vezes. Enquanto não ganho outros, volto aos meus antigos. Isso que é legal da leitura, dá para ler tudo várias vezes e sempre descobrir coisas novas", explica Dias, de apenas 13 anos.

Na tentativa de transformar esse panorama, o governo federal, em parceria inédita entre Ministério da Cultura e Ministério da Educação, desenvolveu o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) que aumentou o número de bibliotecas e acervo em mais da metade dos municípios brasileiros. Para o presidente da Apeoesp, a ação é fundamental, mas o reconhecimento dos profissionais da área deve ser maior e o incentivo governamental deve percorrer todos os setores do país. "Não adianta doar livros, se não tiver quem os organize. É preciso que a ação seja cada vez maior e englobe todos de forma autônoma dos partidos. A descontinuidade de políticas públicas ainda é um dos problemas centrais na escola", verifica. Segundo o secretário do PNLL, José Castillo, o grande diferencial do programa é ser suprapartidário e manter-se contínuo ao longo das futuras gestões é uma de suas grandes metas.

Aline da Silva Santos, que atualmente trabalha como adolescente aprendiz em uma empresa de seguros, conta que foi sua vontade e gosto pela literatura que a ajudou a se destacar profissionalmente. "Quando conseguia ir a biblioteca da escola, sempre pegava livros emprestados que aumentaram meu vocabulário e senso crítico. Sempre descubro coisas novas", diz a menina, hoje com 17 anos.

Ler o quê?

Entre os jovens que lêem, os gêneros de aventura e mistério figuram como os favoritos. "O leitor se identifica com os protagonistas das histórias. Ele se vê vivendo os conflitos e jornadas de amadurecimento próprios da sua juventude", conta a editora do segmento infanto-juvenil na Editora Ática, Gabriela Dias, lembrando que a partir dos 13 ou 14 anos as meninas começam a se interessar mais por histórias que tenham romance e os meninos, aventuras de turmas juvenis que envolvam molecagem, que trabalhem conceitos de união de grupo.

"Porém, é claro que determinada literatura não é exclusiva de certo gênero. As meninas gostam muito de aventura, mas, como característica da própria idade, elas se interessam por temas como o primeiro beijo ou o primeiro amor", conta, citando como exemplo, a coleção para meninas pré-adolescentes, "Psiu!É segredo."

No ano em que completa 35 anos, a coleção Vaga-lume, voltada ao público juvenil, continua a ser um marco editorial com 90 títulos no catálogo, além dos novos que estão sendo lançados. A primeira edição da coleção foi lançada com 50 mil exemplares de cada título. De 2001 a junho de 2007, a Coleção Vaga-lume vendeu mais de 1,5 milhões de exemplares, segundo a empresa. "Eu li quase todos, pois são super divertidos. Tem sempre um mistério a ser resolvido, aventuras com pessoas da minha idade", conta a estudante Cremone.

Bruna Mikelly, oito anos, que recém ingressou no universo dos livros, se identifica muito com o feminino dos contos de fada. "Gosto de imaginar e os livros ajudam a gente a fazer isso", conta.

Abrindo portas

Para Castro, a literatura é a porta de entrada para o auto-conhecimento e para desvendar os mistérios do outro. "Quando o jovem lê, ele passa a se questionar e questionar aquilo que vê no mundo. Ao tomar conhecimento de outras realidades, ele vê a sua própria", observa.

Nessa perspectiva, a editora Dias conta sobre uma coleção da Ática que transpõe grandes clássicos para a linguagem e contexto do jovem. "Clássicos são universais porque trabalham temas que permanecem atemporais. É uma forma de despertar a curiosidade do jovem para ler autores clássicos e verificar que eles trabalharam questões ainda atuais e presentes na sociedade", verifica.

Segundo a editora, para competir com videogames e a grande oferta de filmes e desenhos animados é preciso incentivar a possibilidade da imaginação. A posição é referendada unanimemente por todos os jovens entrevistados. "Na tevê vem tudo pronto, não tem tanta graça. É bem mais divertido imaginar o que meus heróis estão fazendo e às vezes, consigo até mudar a história que está escrita e fingir que estou participando dela", pontua Everton Dias sobre as histórias em quadrinhos e livros de aventura que tanto aprecia.

Cremone diz que os livros fazem com que ela busque conhecer mais sobre os temas. "Quando começo a ler sobre uma coisa vou atrás de mais histórias sobre o tema. Gosto de acompanhar coleções e o divertido é que sempre aprendo algo novo e posso imaginar. Nos filmes e nos desenhos não tenho espaço para isso", conclui.