domingo, maio 28, 2006

Página virada?

Berilo Vargas

Deu na revista de domingo do “New York Times”. O livro, como objeto, começou a perder o que se poderia chamar de sua corporalidade — e seu lugar na prateleira dos utensílios do espírito. Fóssil de estágios pretéritos da nossa civilização, estaria condenado pela marcha da História a dissolver-se nas telas de uma gigantesca e abstrata biblioteca universal, já em frenético processo de construção por mecanismos de busca como Google, Yahoo, Microsoft e outras entidades fantasmagóricas que tecem e controlam a www.
Pode ser que a época do livro esteja, de fato, chegando ao fim. Se é assim, para onde irá o hábito da leitura? Como criar vínculos sentimentais com textos cuja materialidade se resume a sombras pontilhadas numa tela fria? Já tentaram ler o “Dom Casmurro” online, por gosto e não por dever de ofício? Impossível deixar-se levar por muito tempo no mundo sem fronteiras da Internet pelo passo miúdo da prosa machadiana.
Tempos atrás um livro debaixo do braço era parte da bagagem do universitário. Professores repetiam uma frase de efeito disfarçada de conselho: “Não se absorve a sabedoria pelo sovaco”. Enganavam-se. Impossível apaixonar-se por um autor, qualquer autor, ou por um livro, qualquer livro, sem carregá-lo debaixo do braço. Lemos com os olhos, com a mente — e com as axilas. E faz sentido: não são os livros nossas muletas mentais?
\nVeja-se o caso de “Os Sertões”. Dava quase tanto prazer carregar de um lado para outro a volumosa obra-prima de Euclides, devidamente fechada, deixá-la na mesa ao alcance da mão, pegá-la de volta para abri-la e fechá-la sem motivo aparente, pronunciar em silêncio o nome sagrado do autor e o título consagrado do livro, quanto sentar-se para ler mais uma vez que o sertanejo não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral, e descobrir outras novidades. O amor à literatura não terá por base a leitura como experiência tátil, manual, axilar? \nO texto literário online tem o grave defeito de ser arredio ao tato e aos outros sentidos. Não se pode pegá-lo, segurá-lo, apalpar-lhe a pessoa física, aspirar-lhe o cheiro de papel velho ou de papel novo que, em muitos casos, dá uma dimensão inesperada ao conteúdo, e fica para sempre associado a uma história, a uma emoção que nos vem subitamente, ao dobrarmos a esquina de uma página, com a surpresa de um ritmo, de uma palavra, de uma imagem coruscante. \nA busca do prazer estético requer do leitor base sólida, na cabeça e nas mãos. Escrever bem, e ler na mesma altura, é atividade sofregamente artesanal, como abotoar uma blusa ou desembrulhar um bombom. \nComo baixar Proust das prateleiras do ciberespaço e torná-lo apetecível a quem nunca leu um parágrafo seu? Quem teria testa para encarar os sete volumes de “Em busca do tempo perdido” na frigidez mineral de uma tela? Como quebrar a arrogância do “Ulisses” joyciano sem erguer o peso de suas mil páginas? Será a conversão do livro em entidade virtual o fim da leitura por esporte? \nNo futuro, ninguém sabe. Mas por ora é negócio desligar nossas bibliotecas virtuais e sair de casa com um livrinho, digamos, do Mário Quintana, para tirá-lo do bolso no metrô e ler numa página aberta ao acaso, só com a energia dos dedos, que “todos esses que aí estão, atravancando meu caminho, eles passarão, eu passarinho!” \n\n",1]
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Veja-se o caso de “Os Sertões”. Dava quase tanto prazer carregar de um lado para outro a volumosa obra-prima de Euclides, devidamente fechada, deixá-la na mesa ao alcance da mão, pegá-la de volta para abri-la e fechá-la sem motivo aparente, pronunciar em silêncio o nome sagrado do autor e o título consagrado do livro, quanto sentar-se para ler mais uma vez que o sertanejo não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral, e descobrir outras novidades. O amor à literatura não terá por base a leitura como experiência tátil, manual, axilar?
O texto literário online tem o grave defeito de ser arredio ao tato e aos outros sentidos. Não se pode pegá-lo, segurá-lo, apalpar-lhe a pessoa física, aspirar-lhe o cheiro de papel velho ou de papel novo que, em muitos casos, dá uma dimensão inesperada ao conteúdo, e fica para sempre associado a uma história, a uma emoção que nos vem subitamente, ao dobrarmos a esquina de uma página, com a surpresa de um ritmo, de uma palavra, de uma imagem coruscante.
A busca do prazer estético requer do leitor base sólida, na cabeça e nas mãos. Escrever bem, e ler na mesma altura, é atividade sofregamente artesanal, como abotoar uma blusa ou desembrulhar um bombom.
Como baixar Proust das prateleiras do ciberespaço e torná-lo apetecível a quem nunca leu um parágrafo seu? Quem teria testa para encarar os sete volumes de “Em busca do tempo perdido” na frigidez mineral de uma tela? Como quebrar a arrogância do “Ulisses” joyciano sem erguer o peso de suas mil páginas? Será a conversão do livro em entidade virtual o fim da leitura por esporte?
No futuro, ninguém sabe. Mas por ora é negócio desligar nossas bibliotecas virtuais e sair de casa com um livrinho, digamos, do Mário Quintana, para tirá-lo do bolso no metrô e ler numa página aberta ao acaso, só com a energia dos dedos, que “todos esses que aí estão, atravancando meu caminho, eles passarão, eu passarinho!”
Biblioclastia .

Miguel Conde

André Bazin via na arte um esforço do homem para escapar ao tempo e, portanto, à morte. Como sabemos, porém, não há obras eternas criadas pelo ser humano. Todas estão sujeitas às mesmas circunstâncias e acasos que determinam nosso destino. Ainda que nos permitam transformar o transitório em duradouro, livros — como quadros, esculturas e fotografias — são perecíveis. Nenhuma obra, por mais transcendental que se pretenda, pode prescindir do objeto, mundano e perecível, onde será registrada. Mesmo os tratados de metafísica não existiriam sem o papel (ou, hoje em dia, sem um computador). Sempre estarão, portanto, sujeitos à destruição.
A decomposição, os acidentes e os desastres naturais arrasaram inúmeros textos ao longo da História. O aprimoramento das técnicas de conservação e armazenagem previne, muitas vezes, os estragos decorrentes destes fatores involuntários. Mas adianta pouco contra outra grande causa (talvez a principal) da destruição de livros: a ação deliberada do homem.
O recém-lançado “História universal da destruição dos livros” (Ediouro), do venezuelano Fernando Báez, é uma extensa compilação de casos de destruição de livros, da antiga Mesopotâmia ao Iraque de hoje em dia. Especialista na história de bibliotecas, Báez fala de enchentes, terremotos, naufrágios e incêndios acidentais, mas a destruição voluntária de livros é seu assunto principal. “O livro não é destruído como objeto físico, e sim como vínculo da memória”, escreve. “Um livro é destruído com a intenção de aniquilar a memória que encerra, isto é, o patrimônio de idéias de uma cultura inteira”.
Fernando Baez



Autor del best seller mundial "Historia universal de la destrucción de libros" (Destino, España, 2004) (Debate, México, 2004) (Debate, Venezuela, 2004) (Sudamericana, Argentina, 2005) (Ediouro, Brasil, 2006)
"Impresionante. El mejor libro escrito sobre este tema" Noam Chomsky "Una obra magistral y aterradora" Alberto Manguel, El País "El hombre es un lobo para el libro. Esa es la impresión que se tiene tras la lectura del concienzudo estudio que acaba de publicar el venezolano Fernando Báez". Xavi Ayén, de La Vanguardia "Libro saturado de datos, de saber y de interrogantes, Historia universal de la destrucción de los libros es un texto magnífico y claro, que nos deja con sed de más y con el terrible y pavoroso temblor que produce ver (constatar) la barbarie humana". Luis Antonio de Villena, El Cultural, El Mundo "Una verdadera joya literaria sin precedentes" Iker Jiménez, Cadena Ser "Es una de las crónicas más completas sobre la violencia y el horror de un ser humano ocupado en borrar y abolir su memoria, tratándose de un macabro ejercicio purificador que se mece en el péndulo de la creación y la destrucción" Pablo Gámez, Radio Holanda "Es una obra monumental" Francisco Solano, Educación y Bibliotecas "El testimonio de Báez es el diagnóstico más preciso y riguroso que experto alguno haya producido, a partir de la reconstrucción y evaluación detallada de las acciones destructivas en Irak con consecuencias impredecibles al patrimonio cultural de la humanidad" José Antonio Rivas Leone, El Nacional Otras referencias: Javier Ors, de La Razón, advierte que se trata de un escritor cuya originalidad logra envolver al lector. En el Diario ABC, Sergi Doria no escatima elogios y califica a Báez como ensayista excepcional. El novelista catalán Robert Saladrigas afirma que con Fernando Báez nace un gran escritor hispanoamericano. Y ahora aparece la primera novela del autor: El traductor de Cambridge" (Editorial Lengua de Trapo, Madrid, 2005). Abrir el enlace: http://www.lenguadetrapo.com/00097-NB-ficha.html