domingo, maio 28, 2006

Biblioclastia .

Miguel Conde

André Bazin via na arte um esforço do homem para escapar ao tempo e, portanto, à morte. Como sabemos, porém, não há obras eternas criadas pelo ser humano. Todas estão sujeitas às mesmas circunstâncias e acasos que determinam nosso destino. Ainda que nos permitam transformar o transitório em duradouro, livros — como quadros, esculturas e fotografias — são perecíveis. Nenhuma obra, por mais transcendental que se pretenda, pode prescindir do objeto, mundano e perecível, onde será registrada. Mesmo os tratados de metafísica não existiriam sem o papel (ou, hoje em dia, sem um computador). Sempre estarão, portanto, sujeitos à destruição.
A decomposição, os acidentes e os desastres naturais arrasaram inúmeros textos ao longo da História. O aprimoramento das técnicas de conservação e armazenagem previne, muitas vezes, os estragos decorrentes destes fatores involuntários. Mas adianta pouco contra outra grande causa (talvez a principal) da destruição de livros: a ação deliberada do homem.
O recém-lançado “História universal da destruição dos livros” (Ediouro), do venezuelano Fernando Báez, é uma extensa compilação de casos de destruição de livros, da antiga Mesopotâmia ao Iraque de hoje em dia. Especialista na história de bibliotecas, Báez fala de enchentes, terremotos, naufrágios e incêndios acidentais, mas a destruição voluntária de livros é seu assunto principal. “O livro não é destruído como objeto físico, e sim como vínculo da memória”, escreve. “Um livro é destruído com a intenção de aniquilar a memória que encerra, isto é, o patrimônio de idéias de uma cultura inteira”.

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