domingo, junho 25, 2006

Meu desejo é incentivar a leitura"


Mindlin diz que aceitou candidatar-se porque quer bibliotecas em todo o País

Beatriz Coelho Silva
A eleição do empresário e bibliófilo José Mindlin para a Academia Brasileira de Letras (ABL), esta semana, confirma uma tendência da Casa nos últimos anos. Mais que a produção literária, privilegia-se o currículo do candidato em favor da cultura e da educação. Foi assim co m o cineasta Nelson Pereira dos Santos, eleito em março. Agora Mindlin consagra a fórmula. Afinal, pouca gente batalhou mais pela preservação de nossa memória e pela difusão de nossa cultura. Seja na vida privada, como colecionador de documentos e livros sobre o Brasil, na profissional, como presidente da Metal Leve, ou na vida pública. Sua passagem pelo governo paulista nos anos 70 deixou marcas perenes.Mindlin nunca havia pensado na imortalidade, embora pertença à Academia Paulista de Letras desde os anos 90. "Sou mais leitor que escritor", disse ao Estado, enumerando os livros de sua autoria, semi-autobiográficos, Uma Vida entre Livros, Memórias Esparsas de uma Biblioteca e Destaques da Indisciplinada Biblioteca de Guita e José Mindlin. Ele também não cumpriu o ritual de visitas. "Aceitei o convite, mas não me sentiria bem pedindo votos, embora o convívio com os acadêmicos seja um dos motivos para eu me candidatar. Os outros são a possibilidade de incentivar a leitura e a difusão da obra de grandes escritores. Os meus preferidos são Marcel Proust, Machado de Assis e Guimarães Rosa. Os dois últimos, por sinal, passaram por esta casa." Mesmo sem cumprir rituais, Mindlin teve recepção calorosa. Recebeu 33 votos dos 37 válidos, com um branco e duas abstenções, de Paulo Coelho e de Ariano Suassuna. E 27 colegas de imortalidade, um recorde, votaram pessoalmente e, depois, comemoraram com o novo colega. Ele esperou a notícia com dona Guita, sua mulher há 68 anos e mãe de seus filhos, três moças e um rapaz. Duas, Diana e Betty, estavam lá com os pais.Mindlin recebeu a notícia com humor. "Sou o mais novo imortal e devo também ser o mais velho", comentou. Mas, aos 91 anos, sua vitalidade é de 60 e a receita, muito pessoal. "É preciso gostar da vida, ter senso de humor, esquecer a idade e não ter juízo. Faço tudo que é proibido a um homem de 90 anos e vivo muito bem." O amor aos livros, expresso até na gravata com estampa de uma estante, vem da infância. A coleção de obras raras começou na adolescência.Aos 13 anos, comprou o Discurso sobre História Universal, de Jacques Bossuet, uma tradução portuguesa de 1740. "Havia uma bibliografia e não sosseguei enquanto não consegui comprar todos os livros", lembra. Pouco depois, tornou-se redator do Estado. "Entrei em maio de 1930 e fiz 16 anos em setembro. Acho que fui o redator mais novo do jornal. Uma experiência fantástica, porque era época da Revolução de 30 e o doutor Júlio Mesquita Filho, um dos líderes, me encarregava de passar instruções para seus aliados de outros Estados em inglês, para evitar a censura."Pouco depois, entrou para a Faculdade de Direito e lá conheceu dona Guita, uma história de contos de fadas. Ela era o sonho de muitos futuros advogados, mas ele se declarou antes de todos. "Eu o tinha visto na platéia do teatro e achado interessante. Logo depois ele veio falar comigo", conta Guita. O amor aos livros os uniu e ela não se contentou em incentivá-lo como colecionador. Tornou-se conservadora de livros e documentos antigos. "Até hoje, quando o preço de uma obra me assusta, ela me faz comprá-la", diz ele. "Foi assim que adquiri a primeira edição de Os Lusíadas, o item mais precioso do acervo."A coleção é a maior do País e uma das maiores do mundo, mas ele não a considera completa. Ainda faz aquisições e os livreiros e caçadores de obras raras o têm como cliente preferencial. "Há um certo exagero", corrige Mindlin, modesto. "Tenho 38 mil títulos catalogados, metade deles da coleção Brasiliana (livros e documentos sobre o Brasil, do século 16 em diante). Como um título pode ser um folheto ou uma enciclopédia, não sei quantos volumes são." Se sua biblioteca é enorme, sua meta é espalhar outras pelo Brasil afora. "Em São Paulo já temos uma em cada cidade", comemora. Esse amor à literário levou-a à Secretaria de Cultura no governo de Paulo Egydio, em plena ditadura, da qual era ferrenho opositor. "Eu fiquei em dúvida, mas meus amigos me lembraram que, seria pior se o cargo ficasse com alguém a favor. Como não dependia disso para viver e podia ir embora quando quisesse, aceitei. Melhorei as condições da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e criei a carreira de pesquisador, reivindicações antigas dentro do governo."Leitor voraz que já devorou 8 mil títulos, Mindlin prefere ficção, mas não liga para os best-sellers do momento. "Prefiro que o tempo me dê a dimensão exata do livro." Passa horas escrevendo e diz ser capaz de se concentrar na escrita e prestar atenção na conversa a seu redor. "Aprendi quando era redator do Estado, pois sempre tinha alguém querendo contar um caso." Sua preferência pela ficção não o tenta a inventar uma história. "Não é coisa que se faça porque se tem vontade ou por encomenda", justifica. "Mas, na minha vida, as coisas boas aconteceram por acaso. Quem sabe ainda não me arrisco na ficção?"

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