sexta-feira, março 17, 2006

Sobre a Bienal do Livro de São PauloOu: como ler e escrever são formas de amarE eis que eu estava ali, saída daquele Anhembi - (Em São Paulo, os lugares distantes, meio programas de índio, têm MESMO nome de índio. Já repararam?). Depois de me perder e de também perder parte das minhas finanças nos estandes da Bienal do Livro, saí do pavilhão calorento às margens do Tietê e fui parar numa mesa animadíssima na Mercearia São Pedro, o boteco literário da Vila Madalena. Aliás, numa mesa não: em várias, já que o lugar, que merece um post só dele, estava apinhado de escritores, editores, jornalistas que foram cobrir o evennnnnto (muitos "n" só para citar mais uma vez os paulistanos) e assessores de imprensa.Numa destas mesas animadas estava Mariana Claudino, do Extra, a mais animada dentre os animados. Fala, Mariana! "Tenho que confessar que cheiro todos os livros". Emenda comentários, impublicáveis, sobre as editoras que tinham livros cheirosos e outras, gigantescas e famosas, mas que não primam pelo perfuminho bom das páginas. "Nossa, o livro é muito fedorendo! E o caderno de fotos fica sempre no meio, com as imagens sendo cortadas pela costura. Se eu quero ver a cara do personagem que estou conhecendo na página 10, só vou conhecê lá pela página 100, 150, no tal caderno de fotos. Uma droga".Ri de me esculhambar, porque o comentário é bom. Mas, já no hotel, com a cerveja gelada da Mercearia fazendo efeito, me emocionei. Não é que a Mariana tocou no ponto? A embalagem de um livro - miolo, capa, cheiro, imagens - tem que espelhar tudo de bom que tem dentro dele. E digo isso sem preconceito de gênero: um ótimo livro de auto-ajuda tem que ser bacana também na capa. Assim como um livro do Fernando Pessoa. Ou da Clarice Lispector. A regra vale prum clássico, como "Em busca do tempo perdido", ou uma recente descoberta, "O caçador de pipas". Vale prum texto duro de Lacan e pruma diversão seríssima, como os quadrinhos de Will Eisner.O livro é uma experiência amorosa. Que, como todo amor, tem que ter um corpo. Platão só vale dentro dos livros. Não na relação com eles, que tem que ser táctil, como toda paixão. O objeto livro tem que nos transportar, generoso, para tudo que ele nos pode oferecer. Sim, porque ler e escrever é uma forma de declarar afeto. Quem já se perdeu entre estantes da biblioteca municipal da Tijuca, na rua Guapeni, só para ler Monteiro Lobato... não pode esquecer disso por muito tempo.O corpo do afeto é o livro físico. Que é desencaixotado, empilhado, destacado e iluminado, com amor e também muito suor, por um exército de anônimos antes de uma Bienal começar. O trabalho me fez ter o privilégio de testemunhar a montagem de um grande estande. É preciso muito, muito carinho para dar coerência aos títulos, arrumá-los nas prateleiras, realçar suas belezas. Todos os exemplares são como noivas, à espera do par perfeito. À espera de quem vai receber todo o afeto, todos os cuidados nela investidos, todas as suas conquistas. Este dote vem dentro deles/delas: tudo o que foi escrito - também com muito suor, diga-se de passagem - por alguém. E que só se conclui com a leitura de outro alguém. Amor, enfim. De novo!Depois desta Bienal, portanto, só me resta pedir desculpas a vocês, leitores da Garota Carioca. Se ler e escrever é um ato de afeto, andei economizando amor. Houve motivos, vários, garanto. Mas seria impossível não estar aqui depois de lembrar deste sentimento. E impossível, também, deixar de perguntar: Vocês me perdoam? Vamos voltar a nos ler?Beijos na sopa de letrinhas, voando de novo amanhã, para a terra da garoa, São Paulo terra boa.

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