Livro capta R$ 1,1 mi, pede doação e sai por R$ 280
FABIO CYPRIANO da Folha de S.Paulo
Como fazer de um livro de arte um negócio da China? Inscreva o projeto na Lei de Incentivo à Cultura para arrecadar R$ 1,3 milhão. Depois, convide bons artistas plásticos para participarem do livro, sem mencionar o valor que está sendo captado. Para maximizar recursos, peça aos artistas a doação de uma obra "para ajudar nos custos" --além de fotos e textos sobre o próprio autor, pagos também por eles.O que seria uma das partes mais caras da publicação já saiu de graça. Depois, com o dinheiro arrecadado de fato, no caso R$ 1,1 milhão, lance o livro e o coloque no mercado a R$ 280. Bem, isso é um caso real, e os valores da publicação estão no site do Ministério da Cultura.Trata-se de "Brazilian Art Book VI" [clique aqui para ver imagens do livro], publicação da editora Jardim Contemporâneo, que é lançada hoje. "Sinto-me lesado. A Nair Barbosa Lima [diretora curadora do livro] falou que ela não tinha verba. Os artistas pagaram tudo, das imagens ao texto que as acompanha", diz Gustavo Rezende, um dos 43 artistas no livro."Não foi bem essa a conversa. O que a gente sempre pede é uma obra do artista para apresentarmos nas mostras de lançamento. Como essas obras viajam, a doação é para evitar preocupação do seguro. Mas quem não está de acordo não participa", diz Lima. A diretora confirma que fica com as obras. "Estamos montando um instituto para facilitar isso.""Estou muito surpresa por saber que o projeto captou todo esse montante, pretende vender os livros a um preço lucrativo e ainda conduziu a relação com o artista na base da permuta. Para nós, fica a palavra de que a permuta seria para ajudar nos custos. Fico constrangida de ter feito isso", diz a artista Ana Maria Tavares."Isso é valor de cinema", disse à Folha um editor que pediu para não ser identificado. Por solicitação da reportagem, uma gráfica elaborou o orçamento de uma publicação com as mesmas especificações de "Brazilian Art Book VI". Resultado: R$ 720 mil. "Nós pagamos cerca de R$ 900 mil para a gráfica, mas há outros custos altos envolvidos", diz Álvaro César Ferrari, diretor executivo da Jardim Contemporâneo.Tunga, Waltércio Caldas e Dora Longo Bahia estavam na lista apresentada aos artistas como convidados. Nenhum está no livro. "Eu não aceitei. Há muitos anos, alguém teve uma idéia parecida e fui com o Leonilson conhecer o projeto. Ele saiu 'p' de lá, disse que aquilo era absurdo, que mais uma vez o artista não ganhava nada. Fiquei pensando: é igual", conta Dora.Não foram só artistas que se recusaram a tomar parte do livro. O curador Cauê Alves, do MAM de SP, foi convidado a escrever a introdução do livro e organizar a mostra. Não aceitou. "Ofereceram R$ 10 mil, mas não concordei com o modelo de financiamento do livro; o correto seria comprarem os trabalhos dos artistas, afinal o livro está sendo realizado com verba pública", disse Alves."Esse é mais um vício do circuito da arte e a gente nem tem tempo de checar essas distorções. Eles deveriam abrir as contas", afirma Tavares. No site do Ministério da Cultura, já consta o orçamento para a próxima edição do "Brazilian Art Book", cerca de R$ 1,2 milhão, com R$ 731 mil já captados.O lançamento do livro acontece, hoje, às 19h, no andar térreo do Pavilhão da Bienal (parque Ibirapuera), na mostra "As Muitas Geografias do Olhar", com curadoria de Angélica de Moraes, que também escreve o texto introdutório da publicação. A mostra fica em cartaz até domingo, com entrada franca.Outro lado"O livro, a exposição no Brasil e as exposições no exterior formam um todo, nós não diferenciamos uma parte da outra", afirma Álvaro César Ferrari, diretor executivo do projeto, que se integrou à equipe recentemente, embora cada uma dessas partes esteja inscrita em projetos distintos, no Ministério da Cultura."Nosso objetivo é divulgar a arte brasileira aqui e por todo o mundo. Nós pedimos que artistas doem obras para expor em outros países e, agora, pela primeira vez, expor aqui também", afirma Ferrari. Nas edições anteriores, a mostra passou por espaços como a Britto Central, do brasileiro Romero Britto, em Miami, em 2000.Entretanto, com a sexta edição do livro e a nova exposição, Ferrari afirma que o projeto entra em um novo patamar: "Este é um momento que representa um 'turning-point' (momento de mudança); é a primeira vez que se faz um recorte mais específico na publicação; nas outras edições havia muita diversidade".A curadora Angélica de Moraes diz que não considera adequado doar ou trocar obras, "mas esse projeto tem um potencial de se inscrever no calendário de artes da cidade. Temos a obrigação de mudar as coisas, mas elas não podem ocorrer todas ao mesmo tempo".
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